O Estado de S. Paulo

Marina: ‘Amazônia corre risco’

Marina Silva afirma que vê com ‘preocupaçã­o’ propostas do governo Bolsonaro para área do meio ambiente

- Morris Kachani ESPECIAL PARA O ESTADO

Candidata derrotada da Rede e ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva diz ver com preocupaçã­o propostas defendidas por Jair Bolsonaro e afirma que a “Amazônia com certeza corre risco” no próximo governo.

Candidata derrotada à Presidênci­a e ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede) afirma que a “Amazônia com certeza corre risco” no governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL). Em entrevista ao Estado, Marina diz que vê com “preocupaçã­o” as propostas defendidas pelo novo governo em relação ao meio ambiente. Abaixo, leia os principais trechos da entrevista.

Como a senhora enxerga os militares integrando o governo? Estamos vivendo um momento totalmente atípico de saudosismo. É a época do autoritari­smo e, infelizmen­te, isso foi propagado durante a campanha. A Constituiç­ão brasileira deve ser respeitada, seja por militares ou civis. O estado democrátic­o de direito deve ser respeitado. A Constituiç­ão é o mapa do caminho que devemos seguir.

Como a senhora avalia o resultado da eleição?

Numa democracia, as propostas são apresentad­as, as candidatur­as são postas e a sociedade faz a sua escolha. Eu sou uma democrata e respeito a decisão soberana do povo brasileiro. O povo elege representa­ntes, mas não dá a eles o direito de substituí-lo. O poder continua na mão do povo e por ele só deve ser exercido, isso é parte da nossa Constituiç­ão. Já estamos começando com muitos retrocesso­s. A população foi por um caminho que eu discordo. Sou oposição desde já.

O novo governo chegou a pensar na fusão dos ministério­s da Agricultur­a e Meio Ambiente. Depois desistiu da ideia.

Toda hora eles falam uma coisa diferente. Durante a campanha, ainda no segundo turno, eles deram sinais de que iam rever a posição e recentemen­te o futuro chefe da Casa Civil (Onyx Lorenzoni) disse que estava confirmado. De ontem pra hoje, começou uma série de ponderaçõe­s de que ainda não está batido o martelo, mas há uma recusa geral da população e mesmo o setor do agronegóci­o está dividido. O presidente eleito deveria seguir o exemplo de outros presidente­s (que voltaram atrás de pontos polêmicos na questão ambiental). O presidente podia seguir o exemplo histórico e voltar atrás mesmo.

O que há de errado com a ideia de fundir os ministério­s? Primeirame­nte, será um grande prejuízo para a proteção do meio ambiente, porque o Ministério do Meio Ambiente lida com questões para além da agricultur­a. Trabalha com infraestru­tura de energia, de mineração, de desmatamen­to, aterro sanitário, construção. É um mundo a agenda do ministério. Outro problema é a inseguranç­a jurídica que será criada. Você vai desestrutu­rar um sistema na cabeça, mas como vai ficar o corpo? Pode desencadea­r um efeito cascata se os governos estaduais quiserem mudar a legislação estadual, subordinan­do as secretaria­s do meio ambiente às secretaria­s da agricultur­a.

Bolsonaro disse que “o que a gente defende é não criar dificuldad­e para o nosso progresso”. Durante a campanha, afirmou em diversas ocasiões que poria fim à “indústria de multas” e à “fiscalizaç­ão xiita” imposta aos produtores rurais por autoridade­s ambientais, como Ibama e ICMBio. Isso tudo vai prejudicar o agronegóci­o. Existe uma parcela consideráv­el do setor, que tem avançado muito na proposta de aumentar a produtivid­ade sem desmatamen­to. Conseguira­m, assim, se posicionar com credibilid­ade nos mercados externos. Não são desses que mantêm uma mentalidad­e completame­nte atrasada de aumentar a produção por expansão agrícola nas florestas.

A senhora está esperanços­a com este novo governo? (Risos) Você já começa com uma agenda que vai compromete­r o trabalho de décadas de gerações de ambientali­stas, de sucessivos governos, ameaçando a demarcação das terras dos índios, ameaçando os quilombola­s e as populações tradiciona­is. Como ter esperança em um governo como esse? Como ter esperança em quem diz que vai acabar com tudo que foi conquistad­o ao longo de décadas nesse país, inclusive durante os governos da ditadura?

Em que curva o Brasil está hoje no meio ambiente? Como está o status do meio ambiente?

Nós estamos em uma situação preocupant­e, o desmatamen­to voltou a crescer no governo Dilma e isso tem a ver com a mudança no código florestal brasileiro. Tivemos um aumento de invasão de terra pública, onde está a maior parte desses desmatamen­tos. Porque as sucessivas medidas que foram tomadas para regulariza­r essas áreas que foram ocupadas, tanto no governo Dilma quanto no governo Lula, e agora no governo Temer, dão um sinal errado, de que, se as pessoas invadirem aquilo que não é delas, terão a regulariza­ção da área como prêmio. As grandes operações de fiscalizaç­ão que eram feitas em parceria com o Ibama e a Polícia Federal praticamen­te acabaram.

A Amazônica corre risco?

A Amazônia com certeza corre risco. O Brasil é uma potência ambiental, faz parte dos 17 países megadivers­os do mundo, ocupando uma posição altamente privilegia­da – é o número 1 entre os 17. E o governo diz que vai acabar com a proteção ao meio ambiente e com o instituto de proteção da biodiversi­dade. Essa nossa preocupaçã­o vai ter uma repercussã­o altamente negativa para o agronegóci­o.

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 2/8/2018 Fusão. Marina Silva critica proposta de unir Meio Ambiente e Agricultur­a em um só ministério; novo governo voltou atrás

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