O Estado de S. Paulo

Da opinião à arte

Michelle Dean reúne no livro ‘Afiadas’ perfis e comentário­s sobre grandes nomes da crítica cultural

- Guilherme Sobota

O século 20 foi marcado por lutas femininas fundamenta­is, do sufragismo a uma maior presença nas universida­des e nas páginas dos jornais e revistas – acompanhar a narrativa de Afiadas, o livro da jornalista canadense Michelle Dean lançado agora no Brasil pela Todavia, é caminhar ao lado de dez intelectua­is que marcaram presença no tabuleiro cultural e intelectua­l em língua inglesa da época.

A seleção tem nomes conhecidos, como Hannah Arendt, Susan Sontag e Joan Didion, outros ligados ao cinema, como Pauline Kael, Renata Adler e Dorothy Parker; duas autoras conectadas ao jornalismo, Janet Malcolm e Rebecca West, e Dorothy Parker e Mary McCarthy.

Em campos de atuação distintos, da reportagem à ficção, do relato histórico à poesia, e sempre com um pé na crítica cultural, essas escritoras acabaram reunidas aqui “a partir de um elogio que receberam em vida: afiadas”. Outra caracterís­tica que as une, segundo Dean, é que “elas afrontaram abertament­e todas as expectativ­as relacionad­as a gênero antes que qualquer movimento feminista organizado tivesse atuado de forma a obter ganhos para as mulheres no seu conjunto” – mesmo assim, “nenhuma delas, em princípio, se satisfez atuando como ativista”.

Um dos propósitos a que o livro se propõe é revisar como as atitudes e discussões políticas e estéticas das autores convergem para o feminismo. “Essas mulheres não eram adesistas de nada. Poucas delas tinham qualquer filiação política durante todo o tempo em que estavam fazendo seu trabalho ‘afiado’”, diz Dean por e-mail ao Estado. “Mas como digo na conclusão do livro, não estou certa se realmente importa que elas não usassem a palavra ‘feminista’. O impacto na cultura foi feminista.”

Dean passa então a delinear perfis biográfico­s das escritoras, fortemente inspirados nos seus escritos em revistas como

The New Yorker, Vanity Fair, Life, New York Review of Books, Partisan Review, e também jornais – sem deixar de lado a produção cinematogr­áfica de autoras como Parker e Nora Ephron, bem como as ficções de Mary McCarthy, Susan Sontag e Joan Didion e os ensaios longos publicados em livros por todas elas.

Afiadas atraiu resenhas mistas na imprensa internacio­nal. No Guardian, depois de dizer que o projeto é “ótimo e digno”, a escritora Rachel Cooke escreveu que o livro está longe de ser perfeito. “Ela vai de leve quando deveria mergulhar; seu tom é uniforme, com o resultado de algum modo desalentad­or de que seus ensaios são considerav­elmente menos distintos do que as mulheres que retratam”.

Kristen Roupenian, autora do conto Cat Person, escreveu no

TLS primeiro que Dean faz um “trabalho excelente ao se mover fluentemen­te entre seu grupo de escritoras”, mas depois admite que teve problemas com a falta de um traço claro que define o grupo, bem como a ausência de escritoras negras “afiadas” (Dean faz menção a Zora Neale Hurston, mas para por aí). Ao reconhecer no texto seu tratamento superficia­l da obra de Hurston, escreve Roupenian, Dean perde uma chance. “Limitando seu livro para escritoras que se encaixam em certo perfil demográfic­o, ela não está simplesmen­te reportando o estado branqueado da crítica literária; está perpetuand­o-o”.

Laura Jacobs, no The New York Times, talvez tenha sido a mais incisiva. Apesar de reconhecer méritos no livro, especialme­nte para neófitos na obra das autoras listadas, ela questiona várias escolhas de Dean, especialme­nte em questões de Ephron, Malcolm e Hannah Arendt. Sobre Eichmann em Jerusalém, ensaio de Arendt de 1963 sobre crimes de guerra, Jacobs diz que Dean “apresenta essa controvérs­ia, e muitas outras, com uma mão hábil, mas às vezes pula à frente justamente quando gostaríamo­s que entregasse seu próprio ponto de vista”. A frente, ela menciona “frases preguiçosa­s” e uma prosa que pode se tornar “uma conversaçã­o frouxa, palavrosa e imprecisa”.

Ela própria crítica cultural premiada, com trabalhos para revistas citadas acima, Dean, agora do outro lado do balcão, diz que seu livro seria convidativ­o para resenhas negativas por ser sobre “o poder e função crítica das resenhas negativas”.

Situadas num panorama cultural muito diferente do atual, o trabalho das autoras analisadas tem focos diferentes do debate crítico do século 21, especialme­nte da segunda década – redes sociais e Donald Trump.

“Há muito mais tipos de vozes na crítica cultural em 2018”, analisa Dean. “Há mais veículos e mais oportunida­des. Você não precisa desvendar seu caminho até uma pequena elite em Nova York da maneira que as mulheres no meu livro tiveram que fazer. O que é de maneira geral um dado positivo.”

Ela se coloca no movimento contrário ao que diz que as vozes hoje em dia são exaustivas. “Eu prezo raciocínio e debate da mesma forma que as mulheres do livro fizeram. Então não posso evitar de ficar impression­ada pelo escopo e pela liberalida­de do que está acontecend­o hoje, e me sinto frustrada por governos que tentam suprimir isso.”

 ?? JOHN MIDGLEY TYRONE DUKES/THE NEW YORK TIMES JACK MANNING/THE NEW YORK TIMES ALESSIA PIERDOMENI­CO/REUTERS ?? Michelle Dean. Autora do livro Hannah Arendt Nora Ephron Susan Sontag
JOHN MIDGLEY TYRONE DUKES/THE NEW YORK TIMES JACK MANNING/THE NEW YORK TIMES ALESSIA PIERDOMENI­CO/REUTERS Michelle Dean. Autora do livro Hannah Arendt Nora Ephron Susan Sontag
 ?? NINA SUBIN ?? Janet Malcolm
NINA SUBIN Janet Malcolm
 ?? TODAVIA ?? Pauline Kael
TODAVIA Pauline Kael
 ?? TODAVIA ?? Mary McCarthy
TODAVIA Mary McCarthy
 ?? SARA KRULWICH/THE NEW YORK TIMES) ?? Joan Didion
SARA KRULWICH/THE NEW YORK TIMES) Joan Didion
 ??  ?? AFIADAS Autora: Michelle Dean Tradutor:Bernardo Ajzenberg Editora:Todavia (416 p., R$ 74,90, R$ 44,90 digital)
AFIADAS Autora: Michelle Dean Tradutor:Bernardo Ajzenberg Editora:Todavia (416 p., R$ 74,90, R$ 44,90 digital)

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil