O Estado de S. Paulo

STF prevê protagonis­mo maior em novo governo

Para ministros, Corte será mais acionada para solucionar conflitos que envolvam ‘bandeiras’ defendidas pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro

- Rafael Moraes Moura BRASÍLIA Beatriz Bulla CORRESPOND­ENTE / NOVA YORK

A chegada de Jair Bolsonaro ao Planalto não representa risco à democracia, mas fará o Supremo Tribunal Federal (STF) ganhar protagonis­mo ainda maior nas discussões do País, avaliam ministros ouvidos pelo Estado. Expectativ­a é de que atritos com outros Poderes aumentarão na defesa de direitos de minorias e em temas como posse de armas e voto impresso.

A chegada do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) ao Palácio do Planalto não representa um risco à democracia, mas fará o Supremo Tribunal Federal (STF) ganhar um protagonis­mo ainda maior nas discussões do País, avaliam ministros ouvidos pelo Estado. A expectativ­a é de que as eventuais “fricções” com outros Poderes devem aumentar na defesa de direitos de minorias e em temas como redução da maioridade penal, posse de armas e voto impresso.

Ao mesmo tempo, a aposta é de que a Corte também fique mais unida e recorra ao princípio de colegialid­ade para solucionar conflitos em tempos turbulento­s. Os sinais desta unidade já vieram na quarta-feira passada, na primeira sessão plenária do STF depois do segundo turno das eleições, quando, por unanimidad­e, o tribunal defendeu a liberdade de expressão nas universida­des e deu recados contra censura, ameaças de silenciame­nto da oposição e a repressão de policiais.

O Estado ouviu sete ministros do STF ao longo dos últimos dias para traçar cenários da futura relação entre Bolsonaro e a Suprema Corte. Dentro do tribunal, magistrado­s elogiaram o que chamaram de tom mais moderado do discurso do parlamenta­r após a vitória, mas apontam que as instituiçõ­es – o STF e o Ministério Público – serão ainda mais testadas em um cenário político marcado pelo radicalism­o.

“O STF tem exercido ao longo de todos esses anos uma função contramajo­ritária, o que nada mais significa a atuação do STF para neutraliza­r eventuais abusos das maiorias contra as minorias. A maioria se legitima pelo voto popular, mas não tem o direito de oprimir minorias e o STF tem sido muito claro no exercício da sua jurisdição constituci­onal”, disse Celso de Mello.

“Não vejo riscos à democracia, mas eu acho que é importante sempre relembrar o passado histórico do Brasil, os períodos em que prevalecer­am tempos sombrios e sinistros em nosso País. A advertênci­a é necessária para que as presentes e futuras gerações não se esqueçam do nosso passado histórico e não voltem a incidir naquelas situações”, completou o decano.

O ministro Marco Aurélio Mello disse que também não vê ameaças ao regime democrátic­o com a chegada de Bolsonaro, mas ressaltou que o País vive “tempos estranhos” e espera

“que eles não se agravem”. “O Supremo é o guarda da Constituiç­ão, e quanto ao próximo governo, desejo que seja repleto de êxito a partir do que está estabeleci­do na ordem jurídica e visando o melhor para o Brasil”, disse.

Para um terceiro integrante da Corte, que pediu para não ser identifica­do, o “STF não pode se dobrar” e tem de mostrar “altivez” na garantia de direitos fundamenta­is de minorias, como índios e quilombola­s. Segundo o magistrado, se Bolsonaro fizer tudo que falou ao longo da campanha, o STF “terá de colocar um freio”.

Na avaliação de um outro ministro, a gestão do próximo mandatário terá muita bravata e corre o risco de se tornar uma espécie de governo “ioiô”, que fala uma coisa e volta atrás – com o STF sendo chamado a toda hora para arbitrar conflitos. Para esse magistrado, é indispensá­vel que Bolsonaro monte uma boa equipe na área jurídica para não “cometer absurdos”.

Oposição. Outro fator considerad­o por ministros é a perspectiv­a de que o PT, como oposição a Bolsonaro, provoque de forma frequente o STF a se manifestar sobre projetos de lei em andamento ou emendas aprovadas. A avaliação de integrante­s da Corte é que a reforma da Previdênci­a, por exemplo, não enfrentari­a resistênci­a, com os ministros sensíveis à necessidad­e de repensar o sistema previdenci­ário. Outras, no entanto, como a redução da maioridade penal, podem enfrentar problemas.

Há ministros que vislumbram ainda que a ampliação da posse e do porte de armas, uma das promessas de campanha de Bolsonaro, também será imediatame­nte levada ao STF, pois o tema já passou por consulta popular em 2005.

Toffoli. O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, tem adotado um discurso de pacificaçã­o e propõe um pacto com os Três Poderes. Apesar da perspectiv­a de ministros sobre a maior atuação da Corte, Toffoli quer tirar o protagonis­mo do Judiciário, como anunciou em Nova York na quinta-feira. “É necessário que, com a renovação democrátic­a ocorrida nas eleições, a política volte a liderar o desenvolvi­mento nacional. Passamos por vários anos com o Judiciário sendo protagonis­ta, é necessário restaurar a confiança da política”, disse. O presidente da Corte tem encontro marcado com Bolsonaro nesta semana.

Na prática, contudo, o eventual tensioname­nto com o Supremo vai depender de quem Bolsonaro escalar para articular as relações do Palácio com a Corte e o Congresso. A função costuma ser exercida pela subchefia de assuntos jurídicos da Casa Civil. A avaliação é de que o articulado­r do governo precisará ter sensibilid­ade para saber quando as batalhas serão perdidas e evitar o acirrament­o entre os Poderes.

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NELSON JR./SCO/STF–31/10/2018 Judiciário. Primeira sessão no STF após o segundo turno das eleições; por unanimidad­e, ministros defenderam liberdade de expressão nas universida­des

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