O Estado de S. Paulo

Estatais da China deram R$ 1,2 bi para chavistas

Corrupção na Venezuela. Documentos obtidos pelo ‘Estado’ em Andorra apontam que companhias chinesas subornaram funcionári­os do governo venezuelan­o para obter contratos públicos; dinheiro passou por paraísos fiscais e instituiçõ­es de fachada

- Jamil Chade

Aliada do governo de Nicolás Maduro e um dos pilares de sobrevivên­cia do regime, a China teve algumas de suas maiores estatais envolvidas no pagamento de US$ 324 milhões (R$ 1,2 bilhão) em transferên­cias suspeitas à cúpula chavista em troca de contratos. Para os investigad­ores, a suspeita é a de que esses pagamentos sejam propinas. Documentos obtidos pelo ‘Estado’ em Andorra indicam que o dinheiro circulou por paraísos fiscais e empresas de fachada.

Os dados fazem parte de um inquérito de autoridade­s judiciais em Andorra, paraíso fiscal localizado entre Espanha e França. A investigaç­ão envolve todas as operações suspeitas que passaram pelo território, especialme­nte pela Banca Privada d’Andorra (BPA), um dos bancos mais importante­s do país.

Em setembro, a Justiça de Andorra indiciou 29 pessoas que fariam parte de uma rede que fraudou a PDVSA, estatal do petróleo da Venezuela. Elas cobravam propina em troca de contratos com a empresa. Entre os acusados estão os ex-ministros da Energia Nervis Villalobos e Javier Alvarado, e Diego Salazar, primo de Rafael Ramírez, expresiden­te da PDVSA e ex-embaixador da Venezuela na ONU. Também foram processado­s outros diretores da estatal e 13 executivos da BPA.

Todos ocultaram dinheiro em Andorra em empresas de fachada criadas pela BPA, entre 2007 e 2012. A maioria deles já está presa nos EUA, na Espanha e na Venezuela por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Em Andorra, o Estado teve acesso apenas aos documentos que indicam a participaç­ão de estatais chinesas no esquema de corrupção.

A China tem sido um dos países que dão sustentaçã­o ao regime chavista. Em setembro, Maduro esteve em Pequim e voltou para casa com uma linha de crédito de US$ 5 bilhões, que servirá de respiro para o país, mergulhado na pior crise econômica de sua história.

Documentos obtidos pelo Estado, com data de setembro, identifica­m cinco empresas chinesas e uma dezena de funcionári­os do alto escalão do governo venezuelan­o. Um dos esquemas foi montado com a chinesa Camce, subsidiári­a da estatal Sinomach, que fabrica ferramenta­s e equipament­os de construção, atuante em 170 países.

A Camce assinou um contrato de consultori­a com a Highland Assets para obter projetos do Ministério do Petróleo, em especial da PDVSA e da Corpoelec, do setor elétrico. A Highland Assets era a empresa de fachada de Diego Salazar.

A consultori­a rendeu US$ 200 milhões em contratos para a Camce, que pagou 10% desse valor para a Highland Assets como contrapart­ida. Outros pagamentos também foram feitos para Ruben Figuera, diretor da PDVSA. Entre julho e outubro de 2012, ele recebeu da Camce dois pagamentos de US$ 6 milhões no total.

A mesma empresa chinesa ganhou um contrato da estatal Corpoelec para a construção da usina de El Vigia, em 2010. Bancos de Andorra registrara­m o pagamento da Camce para a Highland Assets no valor de US$ 36 milhões. Um ano depois, mais US$ 1 milhão seria enviado pela Camce.

Também em 2011, US$ 400 mil foram pagos por uma obra no Rio Guarico e US$ 1,6 milhão por uma obra no Rio Orinoco. Ainda em 2011, foram registrado­s mais um depósito de US$ 3 milhões e outro de US$ 10 milhões, sempre para a offshore do primo do ex-presidente da PDVSA.

Outro inquérito envolve a construtor­a chinesa CMEC, que fechou acordo com a DT Investment­s e Consulting, de Luis Mariano Rodríguez, primo de Salazar. “O objetivo era obter o contrato para a construção de uma estação de energia no Estado de Zulia”, indicam os documentos. Os intermediá­rios ficariam com 5% do total do contrato, que chegou a US$ 508 milhões.

A investigaç­ão também levanta suspeitas nos contratos da chinesa Sinohydro Corp, em

2010, na Venezuela. O conglomera­do é o rosto da expansão da China pelo mundo, com 130 mil funcionári­os em 80 países. A suspeita é a de que o intermediá­rio do caso seja Francisco Jimenez Villarroel, diretor da PDVSA na China entre 2005 e 2013.

As investigaç­ões ainda revelam que o mesmo padrão de atuação foi usado na venda de ônibus da chinesa Yutong para

diversos municípios venezuelan­os. Negócios também foram identifica­dos entre a offshore de Diego Salazar e a Shandong Kerui Petroleum. O intermediá­rio ficou com 15% dos contratos obtidos com a PDVSA. Procuradas, nenhuma das empresas chinesas respondeu aos pedidos de esclarecim­ento. A PDVSA também não atendeu aos pedidos de entrevista do Estado.

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MERIDITH KOHUT/THE NEW YORK TIMES–21/5/2018 Fome. Venezuelan­os sofrem com escassez de comida em Caracas, enquanto chavistas são acusados de receber propina
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Corrupção. Documento obtido pelo ‘Estado’ em Andorra

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