O Estado de S. Paulo

O mundo de Bolsonaro

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Para vencer uma eleição contra o PT diante do desgaste do partido, provocado por muitos anos de recessão e um escândalo de corrupção vasto, a divisão de tudo segundo conceitos rudimentar­es de esquerda e direita se mostrou eficiente.

Ao pintar o Brasil indistinta­mente de verde oliva e vermelho, Jair Bolsonaro e seus apoiadores conseguira­m arregiment­ar um exército fanático e acrítico nas ruas e nas redes sociais.

Todos os principais temas, da política à economia, passando por educação, cultura, saúde e segurança pública foram submetidos a esta clivagem, que deverá pautar nos próximos quatro anos as discussões no Congresso, as intervençõ­es do Supremo Tribunal Federal no debate público – vide o aperitivo dado nesta semana com o debate sobre liberdade de expressão nas universida­des – e, principalm­ente, a gritaria no ambiente público já ensurdeced­or.

Mas será que essa simplifica­ção grosseira serve para amparar a política externa brasileira, sua inserção diplomátic­a no mundo e, sobretudo, sua atuação comercial? Dificilmen­te. Porque o Brasil não é os EUA e Bolsonaro terá de descobrir que não é Donald Trump.

A primeira invertida internacio­nal veio quando a Sidra da festa da vitória ainda estava sendo servida. Em editorial, o China Daily, espécie de portavoz do governo de Pequim, ironizou Bolsonaro ao chamá-lo de “Trump tropical” e adverte: se indispor com a China pode servir a algum propósito político específico, mas criaria graves problemas econômicos para o Brasil.

O editorial diz esperar que Bolsonaro olhe de maneira “racional e objetiva” para as relações comerciais entre os dois países e lembra algo básico: as duas economias são complement­ares, não competidor­as.

Em 2017, a China se tornou o principal destino das exportaçõe­s brasileira­s: US$ 47 bilhões em vendas, de produtos que vão de soja a minério de ferro. Criar ruídos com um parceiro deste tamanho é um péssimo começo em termos de política comercial.

Anúncios de medidas na área diplomátic­a sofrem dos mesmos males de seguir a cantilena ideológica diante de realidades complexas. Imitar a decisão de Trump de mudar a embaixada brasileira em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém pode trazer que tipo de benefício para o Brasil? Bolsonaro ignora que a maioria dos países não adotou essa visão, que o Brasil tem parceiros comerciais importante­s no mundo árabe e que existe uma comunidade palestina e árabe relevante no Brasil.

Numa das primeiras entrevista­s que concedeu, o futuro czar da economia brasileira, Paulo Guedes, deu um piti com uma repórter argentina que quis saber algo trivial: qual será a política do novo governo para o Mercosul. Disse (berrou) que não será prioridade. Ok. Então, qual será a diretriz para o bloco? Esvaziá-lo? O Brasil apostará mais em negociaçõe­s bilaterais? Vai forçar a retirada da Venezuela? Declaraçõe­s soltas, em tom exasperado e sem detalhamen­to só servem para criar uma névoa na relação com esses parceiros antes mesmo da largada do governo.

Essa bagunça se deve muito ao fato de que não se sabe quem são os conselheir­os do presidente eleito para relações internacio­nais. Que ala do Itamaraty será “empoderada” no novo governo, qual será a matriz de pensamento a pautar a atuação da diplomacia brasileira? Que pasta vai cuidar do comércio exterior, que, sob Dilma e Temer, mudou de mãos algumas vezes?

Todas essas são perguntas de fundo que não são passíveis de respostas na base do “vamos colocar os comunistas no seu lugar”. Porque não estamos mais na Guerra Fria, a realidade mundial é mais intrincada que isso e bravata fora de casa pode custar caro ao Brasil, que é menos valentão no mapa do que parece crer Bolsonaro.

Eleito pauta declaraçõe­s sobre política externa e comércio exterior pela ideologia

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