O Estado de S. Paulo

‘Construir um país é a parte mais difícil’

Para líder histórico do Timor Leste, lutar pela independên­cia foi mais fácil do que criar novas instituiçõ­es

- Jamil Chade CORRESPOND­ENTE / GENEBRA

Construir a democracia é uma tarefa mais difícil do que obter a liberdade de um país. A avaliação é de Xanana Gusmão, líder do Timor Leste, principal figura da resistênci­a nos anos 80 contra a Indonésia. Ele concedeu uma entrevista exclusiva ao Estado para falar sobre as duas décadas da independên­cia e dos desafios que o novo país enfrenta. A seguir, os principais trechos da conversa.

• Quase 20 anos após a independên­cia, como está o Timor Leste?

Apesar de termos lutado pela independên­cia, todos reconhecem­os que, quando ela chegou, não estávamos preparados. Não estávamos preparados para governar, para administra­r. Começamos do zero. Passados estes anos, estamos no quarto mandato constituci­onal e ainda estamos no processo de construção do Estado e de suas instituiçõ­es. Estamos andando devagar, mas com firmeza.

• Qual a parte mais frágil?

Os tribunais. No tempo indonésio, era proibido falar e ensinar o português. Hoje, tribunais e Ministério Público não falam português e as leis todas estão em português. A dificuldad­e maior na construção do Estado é a Justiça. No governo, as atas são todas em português e, no Parlamento, falamos todas as línguas.

• E a construção do país?

Os primeiros anos foram para entendermo­s os nossos erros. Fomos melhorando. O setor privado é incipiente. Mesmo que haja certo empreended­orismo. O grande problema é que ainda não há acesso a créditos. Tentamos solucionar isso com a criação de um banco. Quanto à sociedade, entramos em crise em 2006 e 2007. O bom da crise foi que o povo se deu conta de que, para construir algo, precisamos de tempo. Mas, para destruir, isso é feito rapidament­e. Isso nos valeu

uma consciênci­a coletiva de que nunca mais haverá violência. Claro, tivemos depois disso crises políticas. Mas sem violência.

• O petróleo já é uma realidade?

Até março, sentíamos que, depois de muita luta, conseguimo­s a soberania do nosso subsolo. Mas faltava a soberania dos mares. A Austrália sempre se recusou a negociar. Mas, em 2016, encontramo­s uma brecha nas leis internacio­nais que nos favoreceri­a. Finalmente, pudemos falar sobre poços de petróleo e a delimitaçã­o das fronteiras. Em 2002, diante da falta de conhecimen­to e da necessidad­e de sobrevivên­cia financeira, acertamos com a Austrália um acordo em que um dos poços tinha seu gasoduto dirigido para Darwin. Precisávam­os do dinheiro.

• O sr. chegou a entrar em contato com a Petrobrás?

Não. Mas estamos abertos.

• Como a China encara o Timor?

Pedimos dinheiro a Banco Mundial, Japão e Banco de Desenvolvi­mento Asiático, principalm­ente para estradas. A ironia é que o empréstimo é japonês, mas quem ganha as licitações são empresas da China.

• Como está a relação com o Brasil?

Acho que falta um embaixador. Os embaixador­es vão mudando. Às vezes, sou apresentad­o a um embaixador brasileiro e pergunto: “Mas e o outro?” Já foi embora.

• Lutar pela independên­cia é mais difícil que construir o país?

Construir um país é mais difícil. É terrível. Durante a luta, o grande problema era como adquirir armas e munição. Como ninguém queria vender, a questão era como eu orientava a guerrilha para matar, capturar e trazer as armas.

• E hoje?

Hoje, na democracia, é muito mais difícil. Durante a luta, quando os guerrilhei­ros tinham fome, sabiam que era para salvar a pátria. Hoje, esquecem. Por muito tempo vivemos a ideia de que, depois da independên­cia, teríamos uma vida melhor. Agora, cada um busca o melhor para si.

• O que o sr. pede à comunidade internacio­nal?

Se vocês quiserem ajudar, perguntem a mim. Não venham dizer o que tem de ser feito. Eles nos pedem transparên­cia, mas também quero transparên­cia deles. Caso contrário, somos usados como ratos de laboratóri­o. Para as entidades internacio­nais, tenho repetido que jamais devem achar que uma solução cabe a todos os países.

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JAMIL CHADE/ESTADÃO Desafio. Xanana diz que Timor caminha devagar, mas firme

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