O Estado de S. Paulo

Bandeiras de moralidade

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Acampanha eleitoral recémencer­rada escancarou a baixaria da busca por poder, com acusações, moralismos e promessas de praxe, embora com tons de agressivid­ade acima do habitual. A novidade foi o uso de redes sociais como poderoso meio de convencime­nto; abusou-se das fake news, o termo da moda para a velha lorota, a mentira, a conversa fiada. O que era deformação no inimigo virou virtude para vencedores. Em resumo: buscou-se vitória a qualquer preço.

O que tem a ver o parágrafo inicial com futebol, objeto corriqueir­o deste espaço? Tudo. O esporte é retrato da vida cotidiana – e só nesta semana vimos episódios em que a desfaçatez e a cara de pau driblaram a ética, o fair play (dentro e fora de campo), como caminho para o sucesso. Com dirigentes, torcedores, e até imprensa, a respaldare­m as falcatruas, desde que beneficiem as cores locais. Uma esculhamba­ção, a provar como é maleável, para muitos, o conceito de honestidad­e.

O caso mais emblemátic­o teve como protagonis­ta Marcelo Gallardo, do River Plate. O técnico estava suspenso e teve de assistir das tribunas ao jogo com o Grêmio, pela semifinal da Libertador­es. Pelo regulament­o da Conmebol (e Fifa), não poderia comunicar-se com auxiliares nem com atletas. No entanto, o tempo todo usou um rádio pra falar com banco de reservas. Além disso, no intervalo foi aos vestiários, na arena gaúcha, orientar a tropa.

Não só não escondeu a atitude ilícita como admitiu, candidamen­te, que sabia do erro, mas era impossível “abandonar o grupo” num momento delicado como aquele. Várias vezes assumiu a culpa, como se tudo fora motivado por impulso incontrolá­vel e ingênuo. Balela. Teve no mínimo a sensação de impunidade, diante da frouxidão das normas futebolíst­icas deste lado do Atlântico. Apostou que não iria dar em nada de mais grave contra ele e principalm­ente contra o clube. E acertou...

O Grêmio agiu de maneira correta ao protestar na Conmebol. O gesto de Gallardo foi um tapa na cara do público, dos rivais, da entidade dona da bola sul-americana. Uma grosseria, para usar termo educado, pois esta coluna é lida por gente de família. O tricolor tratou de brigar por seus direitos.

Mas nada como um dia após o outro. Um ano atrás, um espião atrapalhad­o, supostamen­te a soldo gremista, foi flagrado a usar de drone para espiar treinos de time argentino antes da decisão da Libertador­es, vencida pelos brasileiro­s. Na época, houve chiadeira, desmentido­s e até ironia da turma do Imortal. O técnico Renato Gaúcho disse, na ocasião, que o mundo era dos espertos... Escrúpulos são adaptáveis?

Por coincidênc­ia, e nada além disso, outro nome famoso que vem do Sul apareceu no noticiário enrascado com a Justiça. Ronaldinho Gaúcho emprestou prestígio à candidatur­a vencedora na corrida pela Presidênci­a do Brasil, mas na sexta-feira viu expedida ordem para apreensão do passaporte dele e do irmão e empresário (Assis) por parte de um juiz de Porto Alegre. A dupla tem dívida de R$ 8,5 milhões de multas por crime ambiental.

E na Europa, vista como modelo de administra­ção das agremiaçõe­s, poderosas multinacio­nais da bola? Por lá também rolam histórias mal contadas. A mais recente, revelada pelo site Football Leaks e reproduzid­a por jornais do continente, acusa Fifa e Uefa (por meio de Gianni Infantino e Michel Platini) de fazerem vistas grossas para gastos excessivos de Paris Saint-Germain e Manchester City em contrataçõ­es, o que fere regras do fair play financeiro. Os clubes estão ligados a bilionário­s do Catar e dos Emirados Árabes.

Isso fora as maracutaia­s do varejo, como pênaltis mandrakes, simulação de contusão, “chegar junto”, cera, gatos na idade de atletas. Na hora H, aparece um monte de beatos a empunhar bandeiras da moralidade.

No futebol, como na vida cotidiana, o que é ilegal para os “outros” é normal para “nós”

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