Europa reage a ‘dribles’ tributários de gigantes da tecnologia no continente
Depois de colocar em vigor a nova Regulamentação Geral sobre a Proteção de Dados, texto que vem enquadrando a questão da privacidade online, a União Europeia se prepara para uma nova ofensiva sobre as gigantes da web. Desta vez, os preparativos são para a criação de um imposto sobre a receita de companhias como Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft (ou “Gafam”, sigla que usa as primeiras letras dessas marcas). O texto foi proposto pela França a Bruxelas, mas, na semana passada, o Reino Unido se antecipou. O governo de Theresa May anunciou o início da taxa para 2020.
A ideia original francesa é taxar em 3% a receita das empresas de web que superarem ¤ 750 milhões de receita mundial ou ¤ 50 milhões de faturamento na web. Essa nova fonte de recursos seria usada para reinvestir em setores da economia abalados pela digitalização ou no treinamento de desempregados para os desafios da era digital. A pedido da UE, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) também considera um imposto global, mas ainda sem uma proposta concreta – até pela resistência dos Estados Unidos.
A proposta francesa parecia fadada ao fracasso, mas ganhou novo impulso com a decisão de Londres. Ao apresentar a proposta de orçamento para 2019, o ministro britânico de Finanças, Philip Hammond, anunciou a intenção de criar no próximo ano um imposto que atinja as gigantes da web – e poupe as startups. Essas companhias seriam taxadas em 2% da receita que obtêm com a venda de produtos e serviços a consumidores britânicos. A expectativa do governo é arrecadar até ¤ 450 milhões por ano. “Claramente não é sustentável nem justo que plataformas digitais possam gerar lucros substanciais no Reino Unido sem pagar impostos aqui”, disse Hammond.
A iniciativa britânica é sintoma da perda de paciência dos governos dos maiores países da Europa com as estratégias contábeis de companhias como Google, Facebook, Apple e Amazon. Para comercializar produtos e serviços em solo europeu, essas empresas fincaram bandeira em países que têm as mais baixas alíquotas de tributação. Um dos destinos preferidos dessas gigantes é a Irlanda, que tem um imposto sobre empresas de 12,5%, bem inferior à média de 20% a 25% nos demais países da UE (leia box acima).
Manobra. Ao optar por estabelecer sede em território irlandês, por exemplo, as gigantes de web ganham uma residência fiscal, responsável por faturar o imposto de todo o continente. Em vez de pagar 19% na Alemanha ou 20% na França ou Reino Unido, essas companhias maximizam lucros pagando menos impostos. Um relatório da UE demonstrou que o nível de impostos médio pago por empresas tradicionais é de 23%, taxa que cai a 9% quando se trata de companhias digitais.
O esquema é conhecido e levou a União Europeia a pressionar a Apple a “reembolsar” o governo da Irlanda em ¤ 13 bilhões por “vantagens fiscais indevidas” no início do ano.
Agora, em lugar de investigar a evasão fiscal, Reino Unido e UE pretendem evitar que a prática seja realizada – ou ao menos reduzir sua amplitude. No fim da semana, Bruno Le Maire, ministro francês da Economia, informou que há um acordo entre França e Alemanha para que uma taxa semelhante à britânica seja criada nos dois países.
A decisão acontecerá em dezembro e deve resultar em uma taxa de 3%, o que deve se refletir em ¤ 5 bilhões novas receitas para toda a Europa – sendo ¤ 500 milhões na França. “Nós chegamos a um acordo e haverá uma decisão até o fim de 2018”, garantiu Le Maire, que reconheceu a existência de “parceiros europeus reticentes”.
Cerco. A resistência, no entanto, parece ter sido vencida com um acordo para que a legislação europeia seja extinta assim que a OCDE – grupo de 36 países que não inclui o Brasil – chegar a um entendimento em âmbito global. Projetos de lei semelhantes estão nesse momento sendo analisados por governos de países como Coreia do Sul, Malásia, Chile e México.
Resta, porém, a oposição frontal de gigantes europeias da web, como Spotify, Booking e Zalando, que publicaram um comunicado rejeitando a taxa porque “causaria um prejuízo material ao crescimento e à inovação, ao investimento e ao emprego em toda a Europa”.