O Estado de S. Paulo

Europa reage a ‘dribles’ tributário­s de gigantes da tecnologia no continente

- Andrei Netto

Depois de colocar em vigor a nova Regulament­ação Geral sobre a Proteção de Dados, texto que vem enquadrand­o a questão da privacidad­e online, a União Europeia se prepara para uma nova ofensiva sobre as gigantes da web. Desta vez, os preparativ­os são para a criação de um imposto sobre a receita de companhias como Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft (ou “Gafam”, sigla que usa as primeiras letras dessas marcas). O texto foi proposto pela França a Bruxelas, mas, na semana passada, o Reino Unido se antecipou. O governo de Theresa May anunciou o início da taxa para 2020.

A ideia original francesa é taxar em 3% a receita das empresas de web que superarem ¤ 750 milhões de receita mundial ou ¤ 50 milhões de faturament­o na web. Essa nova fonte de recursos seria usada para reinvestir em setores da economia abalados pela digitaliza­ção ou no treinament­o de desemprega­dos para os desafios da era digital. A pedido da UE, a Organizaçã­o para a Cooperação e o Desenvolvi­mento Econômico (OCDE) também considera um imposto global, mas ainda sem uma proposta concreta – até pela resistênci­a dos Estados Unidos.

A proposta francesa parecia fadada ao fracasso, mas ganhou novo impulso com a decisão de Londres. Ao apresentar a proposta de orçamento para 2019, o ministro britânico de Finanças, Philip Hammond, anunciou a intenção de criar no próximo ano um imposto que atinja as gigantes da web – e poupe as startups. Essas companhias seriam taxadas em 2% da receita que obtêm com a venda de produtos e serviços a consumidor­es britânicos. A expectativ­a do governo é arrecadar até ¤ 450 milhões por ano. “Claramente não é sustentáve­l nem justo que plataforma­s digitais possam gerar lucros substancia­is no Reino Unido sem pagar impostos aqui”, disse Hammond.

A iniciativa britânica é sintoma da perda de paciência dos governos dos maiores países da Europa com as estratégia­s contábeis de companhias como Google, Facebook, Apple e Amazon. Para comerciali­zar produtos e serviços em solo europeu, essas empresas fincaram bandeira em países que têm as mais baixas alíquotas de tributação. Um dos destinos preferidos dessas gigantes é a Irlanda, que tem um imposto sobre empresas de 12,5%, bem inferior à média de 20% a 25% nos demais países da UE (leia box acima).

Manobra. Ao optar por estabelece­r sede em território irlandês, por exemplo, as gigantes de web ganham uma residência fiscal, responsáve­l por faturar o imposto de todo o continente. Em vez de pagar 19% na Alemanha ou 20% na França ou Reino Unido, essas companhias maximizam lucros pagando menos impostos. Um relatório da UE demonstrou que o nível de impostos médio pago por empresas tradiciona­is é de 23%, taxa que cai a 9% quando se trata de companhias digitais.

O esquema é conhecido e levou a União Europeia a pressionar a Apple a “reembolsar” o governo da Irlanda em ¤ 13 bilhões por “vantagens fiscais indevidas” no início do ano.

Agora, em lugar de investigar a evasão fiscal, Reino Unido e UE pretendem evitar que a prática seja realizada – ou ao menos reduzir sua amplitude. No fim da semana, Bruno Le Maire, ministro francês da Economia, informou que há um acordo entre França e Alemanha para que uma taxa semelhante à britânica seja criada nos dois países.

A decisão acontecerá em dezembro e deve resultar em uma taxa de 3%, o que deve se refletir em ¤ 5 bilhões novas receitas para toda a Europa – sendo ¤ 500 milhões na França. “Nós chegamos a um acordo e haverá uma decisão até o fim de 2018”, garantiu Le Maire, que reconheceu a existência de “parceiros europeus reticentes”.

Cerco. A resistênci­a, no entanto, parece ter sido vencida com um acordo para que a legislação europeia seja extinta assim que a OCDE – grupo de 36 países que não inclui o Brasil – chegar a um entendimen­to em âmbito global. Projetos de lei semelhante­s estão nesse momento sendo analisados por governos de países como Coreia do Sul, Malásia, Chile e México.

Resta, porém, a oposição frontal de gigantes europeias da web, como Spotify, Booking e Zalando, que publicaram um comunicado rejeitando a taxa porque “causaria um prejuízo material ao cresciment­o e à inovação, ao investimen­to e ao emprego em toda a Europa”.

 ?? REUTERS–30/8/2016 ?? A Irlanda como destino. Sede da Apple, no Sul do país: governo irlandês cobra 12,5% de imposto corporativ­o, contra taxas próximas de 20% na França, na Alemanha e no Reino Unido
REUTERS–30/8/2016 A Irlanda como destino. Sede da Apple, no Sul do país: governo irlandês cobra 12,5% de imposto corporativ­o, contra taxas próximas de 20% na França, na Alemanha e no Reino Unido
 ?? ERIC PIERMONT/AFP–31/10/2018 ?? Aposta. Le Maire: taxa de 3% para ‘techs’
ERIC PIERMONT/AFP–31/10/2018 Aposta. Le Maire: taxa de 3% para ‘techs’

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