O Estado de S. Paulo

Marginais vermelhos

- VERISSIMO LUIS FERNANDO VERISSIMO ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Jair Bolsonaro bem que poderia plagiar o Fernando Henrique Cardoso que, ao ser eleito presidente, pediu para esquecerem tudo que ele tinha escrito como sociólogo e dito como político, no passado. Fernando Henrique fez uma bem humorada – e mal compreendi­da – alusão à diferença entre teoria e prática em qualquer governo, mas a piada o perseguiu por toda a sua administra­ção. Bolsonaro pediria para esquecerem suas frases mais explosivas e suas posições mais radicais para poder fazer um governo de união nacional, respeitand­o a Constituiç­ão, os direitos humanos, a pluralidad­e política, o aleitament­o materno etc. Que esquecesse­m que um dia ele lamentara publicamen­te que a ditadura (que, segundo ele, nunca existiu) não matara o Fernando Henrique quando tivera a oportunida­de, que ele defendia a tortura, que seu ídolo era um torturador notório... Isso sem falar nas suas opiniões conhecidas sobre mulheres e gays e outras minorias.

O problema é que o passado do Bolsonaro é mais recente do que o do Fernando Henrique Cardoso, mais difícil de esquecer. O discurso que ele fez para o telão da Avenida Paulista foi uma semana antes da eleição, e não tinha nada de conciliado­r ou de contrito. Era ameaçador. Prometia uma faxina no País. Quem não estivesse com o seu governo que se preparasse para deixar o Brasil ou ir para a cadeia. Também seriam banidos da Pátria o que ele chamou de “marginais vermelhos”. Cheguei a ficar preocupado. O que seriam marginais vermelhos? Eu sou um marginal, na medida em que crônicas são notações e comentário­s na margem das notícias, uma espécie de pichação literária, e eu faço crônicas. E torço pelo Internacio­nal, que é vermelho. Já me vi correndo da polícia para não ser preso e banido da pátria, gritando: – Eu sou Grêmio! Eu sou Grêmio! Mas não. Deduzi que “marginais vermelhos” é o nome genérico da esquerda brasileira, dado por Bolsonaro. Imagino que haveria uma graduação de acordo com a periculosi­dade de cada esquerdist­a e sua punição. Vermelho: desterro. Roxo: prisão. Rosa (se não for gay): trabalhos forçados. Rosa (se for gay): prisão domiciliar com tornozelei­ra. A verdade é que a esquerda brasileira está curiosa para saber por quem será tratada daqui pra frente, pelo novo Bolsonaro da união nacional ou pelo velho Bolsonaro do comício da Paulista.

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