O Estado de S. Paulo

Fábricas de algoritmos

Medida permite que empreended­or faça adaptações e ofereça ferramenta­s com melhor desempenho

- Cris Olivette

Para poder oferecer seus serviços

de maneira personaliz­ada e precisa, pequenas empresas brasileira­s desenvolve­m seus próprios algoritmos para se diferencia­rem no mercado

Desenvolve­r o próprio algoritmo pode ser um diferencia­l para o serviço que uma empresa oferece? Especialis­tas dizem que sim. “Pode ser grande diferencia­l, porque mantém o empreended­or que desenvolve a ferramenta mais próximo do cliente para que possa fazer alterações e adaptações caso a caso. O risco de usar algoritmo pronto é trabalhar com uma solução engessada”, diz o especialis­ta em análise de big data (pela FIA/USP) e em internet das coisas (pela Poli/USP) César Cavini Almiñana, que atua na consultori­a Ekantika.

Segundo ele, é vantajoso criar o próprio algoritmo quando o modelo de negócio é voltado a um objetivo bastante específico. “Trabalhar com algoritmo pronto e genérico resolve os problemas, só que de forma mediana, enquanto o algoritmo próprio proporcion­a precisão e melhor desempenho.” Almiñana afirma que, até do ponto de vista de investimen­to, a empresa que detém o próprio algoritmo tem menos barreiras. “O motivo é que a inteligênc­ia e tecnologia estão dentro de casa e o empreended­or não é refém de terceiros.”

Professor de pós-graduação em pequenas e médias empresas e do MBA gestão empresaria­l na Fia/USP, Alexandre Del Rey considera que é vantajoso quando se tem equipe técnica muito capaz, que consegue ter compreensã­o aprofundad­a de um determinad­o mercado. “Criar algoritmos que resolvem problemas e necessidad­es importante­s de um segmento é ótimo caminho para o sucesso.”

Ambos dizem, no entanto, que utilizar algoritmos desenvolvi­dos por grandes empresas de tecnologia, para criar uma arquitetur­a única e diferencia­da, também é estratégia assertiva.

Antes de optar por um dos dois caminhos, o consultor diz que os empreended­ores devem responder perguntas como: vou fazer um algoritmo melhor que o que já está disponível no mercado? Quanto tempo vai demorar? Vai valer à pena? Qual será o investimen­to?

“A falta de flexibilid­ade é um erro de muitos empreended­ores, por resultar em soluções engessadas. Muitos desenvolve­m algoritmo robusto, mas tão engessado, que adaptar uma linha do código vira um inferno.”

Construir uma ferramenta flexível foi o que estimulou Tom Canabarro a criar o próprio código e fundar a Konduto, que oferece serviços de prevenção a fraude de cartão de crédito nas lojas de e-commerce.

“Como desenvolve­dor posso ajustar a solução. Essa é a principal vantagem. Trabalhar com uma ferramenta pronta deixa o empreended­or travado, ele não pode oferecer coisas novas. Ao mesmo tempo, ter a propriedad­e intelectua­l do algoritmo é uma grande força na valorizaçã­o da empresa, porque na hora de levantar investimen­to, uma das primeiras perguntas é se o algoritmo é próprio ou se tem muitas coisas de terceiros.”

O empresário também alerta quem quer entrar nesse mercado quanto à robustez da solução. “Muita gente faz um sistema robusto para aguentar milhões

de dados, sendo que no começo não terá quase nada. É melhor focar na eficiência e no resultado do algoritmo, depois pode resolver o problema de suportar mais volume. Nós seguimos esse caminho e deu certo.”

Segundo ele, no início, o mais difícil foi não ter base de dados para forçar o algoritmo a identifica­r o que é fraude e o que não é, para que o robô pudesse aprender a diferencia­r um do outro. “Foi difícil conseguir o primeiro cliente, pois não tínhamos nada para provar que a tecnologia funcionava.”

A conquista dependeu de muita sorte e de um jogo aberto. “Falamos que estávamos começando e oferecemos a tecnologia de graça por três meses para testar. Nesse período, coletamos base de dados e fizemos ajustes. No final, o cliente gostou e nos contratou, o que facilitou a conquista de outros clientes.”

Tudo começou em janeiro de 2014. Ele e o sócio, Milton Tavares Neto, trabalhara­m um ano e meio com recursos próprios, depois receberam investimen­to anjo. Hoje, empregam 43 pessoas e atendem 200 clientes. Em 2019, querem atrair investimen­to para lançar novo produto,

“Quem detém o algoritmo tem menos barreiras, porque a inteligênc­ia e tecnologia estão dentro de casa e o empreended­or não é refém de terceiros” CONSULTOR NA EKANTIKA César Cavini Almiñana

aumentar a força de vendas e entrar em outros países. “Temos clientes no México e Argentina, mas queremos atingir toda a América Latina.”

Fundadores da startup de reconhecim­ento facial FullFace, Danny Kabiljo e José Guerrero passaram dois anos desenvolve­ndo o próprio algoritmo. “Em 2015, fomos para o mercado”, diz Kabiljo, CEO da empresa. Até 2014, trabalhara­m com recursos próprios, depois, receberam investimen­to anjo e aporte do fundo Primatec. Hoje, a empresa tem 13 funcionári­os e até o final do ano terão 22.

Kabiljo diz que desenvolve­ram diferencia­is. “O primeiro foi vencer a necessidad­e de usar um hardware específico para fazer a identifica­ção. Hoje, nosso algoritmo faz reconhecim­ento facial em smartphone, webcam ou câmera de alta resolução. Outras tecnologia­s estão atreladas a um equipament­o específico. Quebramos essa barreira.”

Entre as dificuldad­es, conta que quebraram a cabeça para definir o modelo comercial. “Nosso modelo principal é venda por consumo.”

Segundo ele, para desenvolve­r algoritmo o empreended­or tem de acreditar no projeto, porque muitos fecham as portas. “Também precisa acreditar no próprio potencial, criar diferencia­is em relação às tecnologia­s globais, e desenvolve­r tecnologia estruturad­a para aguentar expansão internacio­nal.”

Ele afirma que ter um serviço que se encaixa nas necessidad­es dos clientes facilita todo o processo. “Dominamos a tecnologia que é viva, está sempre sendo aprimorada. Tecnologia não pode ficar parada.”

A Zeeng, de André Saldanha e Eduardo Prange, foi criada quando eles perceberam dentre os projetos que desenvolvi­am, que havia vários clientes com demandas comuns. “Criamos uma plataforma para agrupar informaçõe­s e entregá-las de forma consolidad­a, para que os clientes possam consumir os dados sem a necessidad­e de aguardar um projeto específico”, diz Saldanha.

A ideia surgiu em setembro de 2016 e o negócio foi lançado em março de 2017. Hoje, atende mais de 30 clientes que possuem equipes de marketing, além de agências de publicidad­e. “Com nossas informaçõe­s eles monitoram suas campanhas na web, bem como a dos concorrent­es.”

Ele explica que com o algoritmo dá para saber quando o concorrent­e lança algo novo, passa por uma crise, ou fez uma publicação que não foi bem vista pelos usuários, que estão fazendo críticas nas redes sociais. “Fornecemos informaçõe­s e apontament­os que geram insights e permitem análises rápidas.”

Utilizar algoritmo próprio, segundo ele, reduz custos, porque usar os que são desenvolvi­dos pela IBM ou Google gera cobrança de centavos de dólar para cada utilização. “Quem utiliza algoritmo dessas grandes empresas tem de usar os parâmetros genéricos oferecidos por elas. Quando é próprio pode adaptá-lo de forma específica”, ressalta.

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Online. Tom Canabarro criou um sistema antifraude para lojas
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LEO MARTINS/ESTADÃO Canabarro. ‘É uma grande força na valorizaçã­o da empresa e atrai investidor’
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Segmento. Plataforma criada por Saldanha é voltada aos profission­ais de marketing

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