Manipulação na web é tema da Redação do Enem
Educação. Governo teve de desmentir ontem, horas antes da prova, que o exame seria cancelado, como diziam mensagens falsas que circularam na internet. Professores avaliam que tema da dissertação, apesar de atual, pode ter sido tangenciado por muitos aluno
Horas antes do início do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o governo foi às redes sociais desmentir notícia falsa sobre o cancelamento do exame, que havia se espalhado rapidamente na web. A questão é tão séria que o tema da Redação deste ano foi “a manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet”. As provas de Linguagens e Ciências Humanas mantiveram o foco em direitos humanos.
Três horas antes do início do primeiro dia do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o governo teve de ir às redes sociais para informar que o Enem não seria cancelado – assunto de uma fake news que rapidamente se espalhou. Às 13h30, os alunos se depararam com o tema da Redação: “a manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet”. O tema, apesar de atual, pode ter sido tangenciado por muitos estudantes.
Os candidatos se dividiram. Para Andrew Lucas, de 19 anos, “foi fácil de desenvolver”. “Tivemos casos na família de crianças que ficaram afetadas por conteúdos da internet. Deu para falar também sobre as fake news nas eleições”, disse. Ele fez a prova com a mãe, Renata Moraes, de 46 anos, que pretende cursar Pedagogia. “É o tema da atualidade, pois as fake news entraram forte nesta eleição.”
Já para o candidato Fábio Longo, 29 anos, que fez a prova em cadeira de rodas, quem focou as fake news pode não ter entendido a proposta. “A questão é as pessoas serem manipuladas pela internet.” Da mesma forma pensou Eduardo Souza, de 17 anos, que achou o tema difícil. “Quando você lê os textos motivadores, parece que é ‘pegadinha’. Fiz o que pude.”
Essa dúvida não foi nada rara. “Cumprimentei os organizadores pela oportunidade do título da prova, que trata das notícias falsas, da utilização pelos usuários da internet”, afirmou o presidente da República, Michel Temer, em Brasília, ao comentar o concurso.
“Mas o aluno que escrever só sobre fake news está tangenciando o tema, que é mais amplo”, avaliou Carol Achutti, professora do grupo Descomplica. “Eles (os estudantes) podem se entusiasmar com as informações e se deixarem levar por ideias preconcebidas, sem fazer a leitura atenta da coletânea. Um risco é enveredar por uma ‘zona de conforto’ que não deveria ser contemplada”, afirma Simone Motta, coordenadora de Português do Etapa.
Centro da discussão. O professor de Língua Portuguesa do Cursinho da Poli Cláudio Caus observa que o enfoque solicitado está mais relacionado à maneira que as pessoas se relacionam na internet, às bolhas sociais formadas pelos algoritmos e à filtragem e adaptação das informações que chegam aos usuários. A redução do texto a uma parte só do tema, como controle de dados, apenas fixando em Big Data, é um risco para o candidato, lembrou Viviane Xanthakos, do Objetivo.
A coletânea de apoio incluía um gráfico com informações sobre o perfil de usuários no País e textos de Daniel Verdú, Pepe Escobar e Tom Chatfield. “Refletiam sobre como o gosto das pessoas está sendo moldado pelos interesses de quem programa algoritmos.”
Caus sugeriu reflexão sobre a homogeneidade do comportamento e a questão de que o usuário não tem acesso à diversidade de opiniões nesses ambientes. Já Carol considera que a proposta foi inovadora, voltada mais para o político do que para o social, diferentemente de outros anos. E poderia levar a uma abordagem sobre as eleições de Donald Trump e Jair Bolsonaro, além de discussões sobre o Marco Civil da Internet e o controle do Facebook.
Investigação. Na parte da organização (veja ao lado), a grande preocupação foi com a fake news – uma suposta página do site G1 relatando o cancelamento do vestibular. O caso ainda poderá ser investigado pela Polícia Federal, caso seja solicitado, segundo o ministro Raul Jungmann. “Não cometam a irresponsabilidade em rede social. Não há impunidade.”