O Estado de S. Paulo

‘Decisão do STF garante a democracia’

Floriano de Azevedo Marques, diretor da Faculdade de Direito da Universida­de de São Paulo (USP) Diretor de Faculdade de Direito diz que Judiciário deve coibir a violência na política e defende quarentena para juízes

- Marcelo Godoy

Diretor da mais antiga faculdade de Direito do País, a do Largo São Francisco, da Universida­de de São Paulo (USP), e professor de Direito Administra­tivo, Floriano de Azevedo Marques Neto decidiu autorizar um grupo de estudantes a fixar uma faixa contra o fascismo no interior das arcadas da instituiçã­o. Era véspera do segundo turno da eleição.

Não demorou muito e um carro da PM parou ao lado da universida­de. Os policiais queriam a retirada da faixa alegando se tratar de propaganda eleitoral irregular. Azevedo Marques disse não. Afirmou que havia autorizado a manifestaç­ão e não via nada de irregular. Pouco depois, foi a vez de guardas civis de entrarem na faculdade querendo arrancar a faixa. Mais uma vez encontrara­m a resistênci­a de Azevedo Marques.

Sem ordem judicial, nada feito. Nem a polícia entraria na faculdade nem a faixa seria retirada. O exemplo do diretor da São Francisco foi citado pelo ministro Alexandre Moraes no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) quando a Corte manteve a liminar que proibiu a entrada da polícia em ambientes acadêmicos e reafirmou as liberdades de cátedra, de expressão e reunião, postas em risco por decisões de juízes eleitorais que confundira­m a propaganda partidária com o debate de ideias e autorizara­m ações nas universida­des. Leia, a seguir, trechos da entrevista.

Qual a importânci­a dessa decisão do STF sobre as liberdades de expressão, de reunião e de cátedra nas universida­des?

Ela é paradigmát­ica. Os sistemas democrátic­os são baseados em duas verdades. A primeira é que quem ganha a eleição deve exercer o poder e tem legitimida­de para adotar o seu programa. A segunda é que a vitória na eleição não autoriza passar por cima de certas garantias que são estruturan­tes dessas sociedades e uma delas, desde o século 19, é a liberdade de cátedra e pensamento. Não importa de onde venha essa ameaça, se do Executivo, do Legislativ­o ou do Judiciário ou se ela é uma ameaça praticada por agentes estatais ou privados, como muito bem expôs o ministro Gilmar Mendes ( ao condenar a atitude da deputada eleita do PSL Ana Campagnolo, que criou um serviço de denúncia de professore­s). Essa decisão do STF se reveste de grande importânci­a em razão do momento, de ser unânime e da veemência dos votos. Ela é reconforta­nte.

O senhor acredita que a decisão do Supremo fere de morte o projeto Escola sem Partido? Depende de como o projeto será. Se ele se limitar a vedar o proselitis­mo partidário e de um candidato, é uma coisa. Mas se for fazer triagem ideológica, não. O STF deixou claro isso nesta semana.

O senhor foi citado no voto do ministro Alexandre Moraes nos debates no STF. Como foi o episódio na Faculdade do Largo São Francisco com a polícia?

Os alunos me pediram autorizaçã­o para pendurar a faixa. Como ela não era partidária nem comprometi­a o próprio público, eu a autorizei. Pouco depois, recebemos a visita de uma guarnição da Polícia Militar que espontanea­mente, dirigiu-se à faculdade. Disse-lhes (aos policiais) que não havia ilegalidad­e alguma na faixa, pois se tratava de livre manifestaç­ão de um pensamento que, no caso, defendia a democracia e combatia o fascismo. Eles forma embora. Pouco depois, apareceu por lá um grupo de guardas civis dizendo que a faixa não era permitida. Também afirmei que a havia autorizado e não havia violação alguma à lei. Em, na ausência de ordem judicial, ela permanecer­ia lá. Os aguardas foram embora. Foram cordiais, mas nos surpreende­u a espontanei­dade das ações desses policiais.

Outro fato repercutiu no mundo jurídico, a decisão de Sérgio Moro de aceitar o Ministério da Justiça. Como o senhor o analisa? Não há nenhum impediment­o legal à decisão do magistrado, desde que ele peça a exoneração. Mas essa decisão traz com ela algum risco de questionam­ento de isenção e imparciali­dade, não pelo fato de ser juiz, mas pelo fato de ser um juiz importantí­ssimo em um processo que, inegavelme­nte, teve impacto na disputa eleitoral. A Lava Jato trouxe o combate à corrupção para o centro do debate. Creio que ele foi imprudente. E digo isso de forma tranquila, pois o próprio juiz Moro disse ao Estado que não aceitaria migrar para a política, pois não queria contaminar sua judicatura. Em relação ao País, no entanto, eu fico confortáve­l. O juiz Moro tem uma biografia a zelar e pode ser até um parâmetros de contenção de medidas pouco conformes à Constituiç­ão que eventualme­nte estivessem sendo cogitadas.

Seria necessário aprimorar a lei e estabelece­r uma quarentena para juízes e procurador­es?

A quarentena é uma medida de profilaxia institucio­nal para evitar, não a falta de isenção na condução, mas para a proteção da ação dos agentes públicos no exercício da função das críticas e suspeições posteriore­s. A quarentena se aplicaria para a migração a cargos executivos e às candidatur­as.

Que consequênc­ias da campanha eleitoral preocupam o senhor para o futuro?

Tem uma claramente: a violência como vetor de ação política. Clausewitz dizia que a guerra é a política por outros meios. Eu diria que a política é negação da guerra. E a violência não é instrument­o de ação política. Preocupou-me muito que no debate eleitoral a violência concreta ou simbólica tenha ocupado o lugar do debate político. O Judiciário deve coibir quem age com violência, demonstran­do que a violência, em quaisquer de suas manifestaç­ões, em uma sociedade democrátic­a não é tolerada: é crime.

Rumamos para a pacificaçã­o? Quero crer que sim. O discurso do governo eleito caminha para isso. Acho que a nomeação do ministro Moro pode ter todas as críticas, mas caminha nesse sentido. O País só tem chance de sucesso se caminhar para a pacificaçã­o. Os exemplos históricos da escolha da violência são de destruição de países. Teremos um País com divergênci­a, debate e antagonism­o, mas sem violência retórica ou física.

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GABRIELA BILO/ESTADÃO Instituiçã­o. Azevedo Marques autorizou estudantes a fixarem faixa de protesto no interior da Faculdade de Direito da USP

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