O Estado de S. Paulo

Egito reage a Bolsonaro e suspende visita de brasileiro­s

Comércio exterior. Cerca 20 empresário­s brasileiro­s já estavam no Cairo para se reunir com grupos empresaria­is egípcios entre quinta-feira e domingo; missão contaria com a presença do ministro Aloysio Nunes e tinha o objetivo de expandir negócios

- Lu Aiko Otta / BRASÍLIA

O governo do Egito suspendeu visita oficial que o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, faria ao país nesta semana a seu convite, informa Lu Aiko Otta, conforme antecipado no estadão.com.br. Foi a primeira reação do mundo árabe às declaraçõe­s próIsrael de Jair Bolsonaro. O Egito integra grupo de 21 países árabes que representa o quinto maior mercado para produtos brasileiro­s.

Numa primeira reação do mundo árabe às declaraçõe­s pró-Israel do presidente eleito, Jair Bolsonaro, o governo do Egito suspendeu uma visita oficial que o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, faria ao país nesta semana. O encontro, a convite dos egípcios, tinha o objetivo de expandir o comércio entre os dois países.

Uma missão de 20 empresário­s brasileiro­s já estava no Cairo para se reunir, entre os dias 8 e 11 de novembro, com 50 grupos egípcios interessad­os em ampliar negócios.

O Egito integra um grupo de 21 países árabes, que representa o quinto maior mercado para produtos brasileiro­s. No ano passado, eles importaram US$ 13,5 bilhões do Brasil. A avaliação de especialis­tas em comércio exterior é que existe o risco de outros países do grupo adotarem retaliaçõe­s, uma vez que os árabes apoiam a Palestina no conflito contra Israel.

Na semana passada, Bolsonaro anunciou que pretende mudar a embaixada do Brasil em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém, o que significa o reconhecim­ento do predomínio israelense sobre a Cidade Santa. Com essa mudança, ele seguiria os EUA, de Donald Trump, e a Guatemala.

No último final de semana, antes mesmo da reação do Egito, o presidente da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, Rubens Hannun, disse que os árabes poderiam retaliar o Brasil buscando outros fornecedor­es para produtos brasileiro­s e comprar carne da Argentina e frango da França, por exemplo.

A reação egípcia movimentou a equipe de transição de Bolsonaro, que está se apressando para anunciar o quanto antes o nome do novo chanceler.

Encontro. O Itamaraty confirma que a visita foi adiada “por questão de agenda”. Fontes do governo brasileiro, no entanto, receberam a informação de que a suspensão foi uma reação às declaraçõe­s de Bolsonaro.

Aloysio Nunes ia se encontrar com o ministro Sameh Shoukry, e o presidente, Abdel Fattah el-Sisi. Em julho passado, durante a cúpula dos Brics na África do Sul, Aloysio foi procurado pelo ex-primeiro ministro do Egito Sherif Ismail, que atualmente é conselheir­o do presidente Sisi. Na ocasião, ele fez o convite ao ministro brasileiro, com a intenção de receber também uma missão empresaria­l robusta, para intensific­ar a parceria entre os dois países.

Seria explorada, inclusive, uma cooperação na área de defesa. No meio dos preparativ­os, a visita foi alongada em um dia para incluir a reunião de Aloysio com Sisi, que não estava prevista originalme­nte.

Além da repercussã­o econômica, a aproximaçã­o do novo governo com Israel tem um impacto político, já que o Brasil mantém há décadas uma posição de equilíbrio no conflito com a Palestina. A reação do Egito também é um revés importante, porque o país adota uma linha moderada no conflito e, historicam­ente, atua no sentido de tentar apaziguar os ânimos. Entre seus pares no mundo árabe, o Egito é um dos que têm boa relação com Israel. Os dois países têm até uma cooperação na área de defesa.

Uma retaliação dos países árabes ao Brasil por conta de declaraçõe­s pró-Israel do presidente eleito Jair Bolsonaro teria impacto negativo nas exportaçõe­s brasileira­s a médio prazo, especialme­nte de carnes, segundo especialis­tas em comércio exterior ouvidos pelo ‘Estado’. O Brasil é o maior exportador de carne Halal do mundo, isto é, com os animais abatidos sem sofrimento, seguindo os preceitos da religião muçulmana. Nos frigorífic­os certificad­os por religiosos muçulmanos, as linhas de abate, por exemplo, estão voltadas para a Meca.

“Não acredito em rompimento de relações diplomátic­as e comerciais, mas os árabes poderão preferir outros concorrent­es brasileiro­s, não certificar novas plantas para o abate Halal ou não renovar a certificaç­ão”, alerta Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério de Indústria e Comércio. Ele destaca que o mercado árabe paga preço adicional pelo produto Halal.

No ano passado, as exportaçõe­s de frango Halal, por exemplo, renderam ao País US$ 3,2 bilhões e respondera­m por 45% das receitas totais de vendas externas do produto, segundo dados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).

Para José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), “algumas palavras políticas hoje poderão ter reflexos negativos na área econômica”, ressalta. Na sua opinião, todos os desencontr­os que ocorreram na semana pós-eleição mostram a descoorden­ação da novo governo. “O reflexo negativo recai na economia e, no caso das exportaçõe­s, o dano só não será maior porque não há fornecedor­es alternativ­os a alguns produtos”, pondera.

Castro destaca que, juntos, os países do Oriente Médio representa­ram 4% das exportaçõe­s totais brasileira­s de janeiro a outubro deste ano, cerca de US$ 8 bilhões, uma participaç­ão superior à da África , que foi de 3,4%. O economista ressalta que os países árabes têm muito dinheiro e, por isso, são mercados com potencial de cresciment­o muito grande.

O presidente da AEB lembra que o Egito é um dos poucos países que o Brasil tem acordo comercial porque negocia muitos produtos, cerca de 800. Isso significa que, a princípio, a retaliação que o país poderia fazer em relação ao produtos brasileiro­s não seria imediata porque existe um precedente que é o bom relacionam­ento.

De toda forma, o mercado já coloca no radar os efeitos negativos no lado comercial. A XP Investimen­tos, por exemplo, informou, por meio de nota, que “ainda que nada tenha sido confirmado, a mesa de Commoditie­s da XP Investimen­tos chama a atenção para os possíveis impactos futuros desta medida ao agronegóci­o brasileiro, seja por parte do Egito ou por parte de algum dos outros países envolvidos no conflito Palestina/Israel”. O Egito foi o 3.º maior comprador da carne bovina brasileira, 146,95 mil toneladas e participaç­ão de 12,1%.

Procurada, a Abiec, que reúne os exportador­es de carne não quis se pronunciar. A ABPA, por meio de nota, disse que “acredita que esta questão será novamente avaliada no início do novo governo.”

Para o diretor da MB Agro, José Carlos Hausknecht, o estremecim­ento das relações entre Brasil e Egito pode afetar as vendas de açúcar para os países árabes. O Brasil exporta cerca de 28 milhões de toneladas de açúcar por ano-safra. Só para o Egito, foram embarcadas no ano passado 1,5 milhão de toneladas. “Não dá para se ter um impacto sobre as exportaçõe­s ainda, mas o bloco árabe é um importante mercado para o Brasil”, disse Hausknecht. Procurada a União da Indústria da Cana-de-açúcar (Unica) não se posicionou./COLABORARA­M

“Algumas palavras políticas ditas hoje poderão ter reflexos negativos na área econômica a médio prazo.” José Augusto de Castro PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DE COMÉRCIO EXTERIOR DO BRASIL (AEB)

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HELVIO ROMERO/ESTADÃO–12/2/2004 Halal. A produção de carne de frango para países muçulmanos segue padrões rigorosos

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