Vera Magalhães
Sérgio Moro demonstra que vai se esforçar para manter acesa sua própria mitologia, que corre em paralelo à do futuro chefe.
Ao justificar sua saída da magistratura para assumir o Ministério da Justiça como uma maneira de evitar que se repita com a Lava Jato o que ocorreu com a Operação Mãos Limpas, da Itália, Sérgio Moro mostra apuro em técnica de roteiro e fecha o seu “arco narrativo” com maestria e coerência.
A congênere italiana da Lava Jato sempre foi uma obsessão de Moro, que a estudou com afinco e usou seus passos para nortear os da investigação brasileira e até se antecipar a tentativas do sistema político de se recompor diante da avalanche de investigações.
O risco de que as conquistas se perdessem também sempre esteve presente nas declarações de Moro. Evocar o exemplo da Mãos Limpas, portanto, confere o caráter de “jornada do herói” ao movimento – que foi visto por muitos como uma mundana concessão de Moro à política.
A mesma preocupação em manter o nexo narrativo aparece na estudada preocupação de Moro de pontuar uma a uma suas diferenças em relação a Jair Bolsonaro: respeito e reconhecimento à importância da imprensa, defesa de ações não letais da polícia e a declaração de que há que se governar para maiorias e minorias foram exemplos claros deste recurso.
Assim, o futuro ministro demonstra que vai se esforçar para manter acesa sua própria mitologia, que corre em trilho paralelo ao do futuro chefe. Se ambas serão conciliáveis ao longo e quatro longos anos, e se o epílogo da epopeia de Moro será a política ou o STF, ainda é cedo para dizer.