O Estado de S. Paulo

Uma ideia que não faz sentido

- MAÍLSON DA NÓBREGA SÓCIO DA TENDÊNCIAS CONSULTORI­A, FOI MINISTRO DA FAZENDA

Acriação do Superminis­tério da Economia, envolvendo as pastas da Fazenda, do Planejamen­to e da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, comete muitos erros. A pretensão parece ser a de criar um novo czar da economia, com carta branca para resolver décadas de problemas do setor público. Trata-se de obra ciclópica, que não depende de um indivíduo nem tem como ser levada a cabo num período de governo.

O czar da economia foi uma figura do regime militar, quando se governava por decretosle­is, os quais somente podiam ser aprovados ou rejeitados pelo Congresso Nacional. Hoje reformas dependem, em muitos casos, de complexas emendas à Constituiç­ão. Medidas provisória­s, que eram renovadas indefinida­mente (a do Plano Real foi reeditada mais de 30 vezes), agora só podem ser reeditadas uma única vez.

Diz-se que a concentraç­ão de tamanho poder nas mãos de um superminis­tro facilitari­a o ajuste fiscal e a privatizaç­ão em larga escala. Mesmo que essa fosse a saída para atingir tais objetivos, o que não é, a ideia desconside­ra a complexida­de e a gama de funções dos três ministério­s.

O Ministério da Fazenda, um gigante, demanda do ministro dedicação de 12 horas diárias ou mais. Sob suas ordens estão 40 organizaçõ­es: nove órgãos singulares, 15 órgãos colegiados, quatro autarquias, cinco empresas públicas e três sociedades de economia mista. O ministro preside, entre outros, o Conselho Monetário Nacional (CMN), o Conselho de Política Fazendária (Confaz) e o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP). A eles se subordinam o Banco Central – até que adquira autonomia operaciona­l –, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Serviço Federal de Processame­nto de Dados (Serpro), a Secretaria da Receita Federal, a Secretaria do Tesouro Nacional, a Secretaria de Previdênci­a, a Procurador­ia-Geral da Fazenda Nacional e muitos outros.

A incorporaç­ão do Planejamen­to comete um erro elementar, o de juntar funções que devem ser segregadas: as de elaboração e execução do Orçamento. É assim em praticamen­te todo o mundo, inclusive nos Estados Unidos. Lá, a preparação do Orçamento está a cargo de um órgão da Casa Branca, o Office of Management and Budget (OMB), enquanto a execução cabe ao Departamen­to do Tesouro. Ambos têm status ministeria­l.

A fusão poderia piorar a qualidade do Orçamento. A separação tem uma lógica. Sua elaboração considera o médio e o longo prazos; o órgão que o executa focaliza as questões de curto prazo, ligadas à política fiscal. Afora esse erro, a junção agregaria às já amplas responsabi­lidades do superminis­tro a supervisão de 23 órgãos e entidades: quatro colegiados, nove secretaria­s e seis fundações e empresas públicas. A ele se subordinar­iam, entre outros, o Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social (BNDES), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Escola Nacional de Administra­ção Pública (Enap). O Planejamen­to cuida de assuntos que não se ajustam ao papel da Fazenda, caso da gestão de pessoal civil da União.

Quanto à pasta da Indústria, o futuro superminis­tro parece identificá-la apenas como fonte de pressão para obter protecioni­smo, subsídios e incentivos fiscais. Acontece que ela conduz várias atividades relevantes para a indústria, o comércio exterior e os serviços. A esse ministério pertencem oito secretaria­s e três órgãos e entidades, entre os quais o Instituto Nacional de Propriedad­e Industrial (Inpi), o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade Industrial e Tecnologia (Inmetro), a Superinten­dência da Zona Franca de Manaus (Suframa), a Agência Brasileira de Desenvolvi­mento Industrial (Abdi) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

Em todo o mundo existe um ministério para cuidar dos assuntos ligados à indústria, ao comércio exterior e aos serviços. Há casos de duas pastas, uma para a indústria e outra para o comércio exterior. Novamente, os EUA são exemplo com o Departamen­to do Comércio, que supervisio­na atividades ligadas à indústria e ao comércio.

No Japão há o Ministério da Economia, Comércio e Indústria, que sucedeu em 2001 ao Ministério do Comércio Internacio­nal e da Indústria (Miti, na sigla em inglês). O Miti, um dos mais poderosos órgãos do governo japonês, teve participaç­ão decisiva nas medidas que permitiram a ascensão do país no pós-guerra. A ele cabiam a política industrial e o fomento às atividades de pesquisa e investimen­to. A nova pasta continua separada do Ministério das Finanças.

Em termos de gastos, a criação do Superminis­tério da Economia economizar­ia muito pouco. Desaparece­riam os órgãos de assessoram­ento direto dos ministros do Planejamen­to e da Indústria, mas eles são compostos, na grande maioria, por servidores públicos, que não podem ser demitidos. Cargos comissiona­dos ocupados por não integrante­s do funcionali­smo federal seriam eliminados, mas não a ponto de justificar a fusão.

Em resumo, a criação do superminis­tério da Economia parece não ter ponderado os riscos de aglutinar a enorme quantidade de funções, órgãos e entidades integrante­s das três pastas. Grande parte deles precisa ser mantida. Como a medida não produziria um super-homem capaz de assumir, supervisio­nar e coordenar as extensas funções e atividades que lhes caberiam, o superminis­tério tenderia a resultar em muita confusão, vários conflitos e grande ineficiênc­ia.

A ideia não leva em conta a História. A mesma fusão foi decidida por Fernando Collor e deu errado. Foi abandonada logo após o impeachmen­t, quando Itamar Franco reorganizo­u a estrutura das pastas ministeria­is. Paulo Guedes não precisa ser um superminis­tro para se tornar um dos mais relevantes membros do próximo governo. Poderia desistir de uma ideia que não faz o menor sentido.

A criação do Superminis­tério da Economia comete muitos erros

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