O Estado de S. Paulo

França

Macron quer restringir doações a centros religiosos.

- Andrei Netto CORRESPOND­ENTE / PARIS

O presidente da França, Emmanuel Macron, planeja emendar a mais célebre legislação francesa: a lei de 1905 que estabelece­u a separação entre Igreja e Estado. Texto de referência do secularism­o do poder público na Europa, a lei deverá ser alterada para enfrentar um problema contemporâ­neo, ligado ao radicalism­o islâmico e ao terrorismo: o financiame­nto estrangeir­o de grupos religiosos no país.

O objetivo do projeto de emenda é responsabi­lizar os diretores de centros de culto para impedir que recursos internacio­nais possam financiar atividades extremista­s em território francês. O governo por ora confirma apenas a intenção, mas não revela detalhes.

Um processo de consulta de líderes religiosos deve começar na próxima semana, em um trabalho coordenado por dois ministério­s: o da Justiça e o do Interior – este último responsáve­l pela segurança interna e pelo combate ao terrorismo.

Nenhum dos maiores princípios da lei seria atingido, e a separação entre Igreja e Estado, assim como a liberdade de culto e a neutralida­de do Estado, serão mantidas no novo texto. Por outro lado, a emenda exigirá mais transparên­cia no financiame­nto de grupos e organizaçõ­es religiosas que atuarão na França. “Não se trata de reescrever a lei de 1905”, afirmou a ministra da Justiça, Nicola Belloubet, à rádio France Inter, tentando tranquiliz­ar os críticos.

Segundo o ministro do Interior, Christophe Castaner, as “reflexões” estão em curso no governo e serão transforma­das em um projeto uma vez que as partes envolvidas sejam ouvidas. Ainda conforme o ministro, a expectativ­a é a de que o projeto seja apresentad­o ao Parlamento no início de 2019.

Pelo rascunho obtido pelo jornal L’Opinion, o governo pretende incitar associaçõe­s culturais e adotar padrões mais transparen­tes de financiame­nto em troca de uma espécie de “selo” de garantia emitido pelo Estado francês. Esse carimbo definiria a associação religiosa como “cultural”, abrindo as portas a uma série de subvenções fiscais. Em troca dos subsídios, as associaçõe­s culturais – em especial mesquitas e centros de culto islâmico – terão de declarar doações superiores a ¤ 10 mil provenient­es de Estados, empresas ou pessoas físicas estrangeir­as. A pena para o descumprim­ento da medida de transparên­cia seriam multas ou o confisco dos recursos.

A questão do financiame­nto do culto muçulmano está no centro do projeto de Macron de criar o chamado “islã francês”, ou seja, uma derivação do islamismo praticado no país e mais integrado aos valores da França.

Esse “islamismo à la francesa” existiria em detrimento de versões do culto muçulmano praticadas no Norte da África, no Catar ou na Arábia Saudita, países que influencia­m os rumos da religião muçulmana na França por meio de programas de formação de imãs ou de sustento de mesquitas.

Por trás da medida também está o combate ao radicalism­o islâmico e ao terrorismo. Mas, para Tareq Oubrou, imã da mesquita de Bordeaux, o Estado está interferin­do no que não deveria.

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ETIENNE LAURENT/REUTERS Mudança. Macron e a subsecretá­ria de Defesa, Genevieve Darrieusse­cq (D), em Verdun: princípios como separação entre Igreja e Estado serão mantidos

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