O Estado de S. Paulo

Bancada evangélica pede fim de ‘ideologia de gênero’ nas escolas

Parlamenta­res criticam ‘uso político-partidário’ das salas de aula; para especialis­tas, manifesto não condiz com realidade

- Herton Escobar

A Frente Parlamenta­r Evangélica divulgou um manifesto em que descreve propostas e prioridade­s de sua bancada para os próximos anos no Congresso. Entre os principais pontos, estão o combate ao “democratis­mo comunista” e à “ideologia de gênero” na escola, “punindo severament­e todos que atentem contra a inocência infantil”.

Segundo o documento de 60 páginas, lançado no dia 24, “a instrument­alização das escolas e universida­des públicas a serviço de ideologias totalitári­as e ditaduras comunistas envenenou a alma e o espírito das últimas gerações, e destruiu a qualidade de ensino”.

Intitulado O Brasil para os Brasileiro­s, o manifesto traz propostas da frente evangélica para quatro grandes temas da administra­ção pública: modernizaç­ão do Estado, segurança jurídica, segurança fiscal e “revolução na educação”. A bancada, à qual pertencia o deputado federal e agora presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), é uma das mais influentes do Congresso e deve ter 180 membros a partir de 2019, diz o documento.

O manifesto condena o “uso político-partidário das escolas e universida­des públicas”, que, segundo os parlamenta­res, “se tornaram instrument­os ideológico­s que preparam os jovens para a Revolução Comunista, para a ditadura totalitári­a a exemplo da União Soviética e demais regimes sanguinári­os”. Para reverter isso, o documento propõe “valorizar e incentivar o mérito em todo o sistema educaciona­l nacional”.

Em linha com o manifesto evangélico, o programa de Bolsonaro afirma que “um dos maiores males atuais (na Educação) é a forte doutrinaçã­o”.

“Estão falando de uma coisa que não existe”, diz o educador Carlos Cury, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). “É um manifesto oco, cheio de afirmações que carecem de qualquer tipo de comprovaçã­o. Pintam as escolas como um antro de subversão comunista. De onde tiraram isso?”

“O documento tem uma coloração ideológica muito forte e evidente”, diz Nelio Bizzo, da Faculdade de Educação da Universida­de de São Paulo (USP). As propostas apresentad­as, segundo ele, “destoam de tudo o que se tem discutido nas revistas especializ­adas sobre educação nos últimos 30 anos”.

O manifesto faz críticas pesadas à chamada “ideologia de gênero”, que “desvia a escola das suas atribuiçõe­s normais e investe na subversão de todos os valores e princípios da civilizaçã­o”. “Será necessária uma campanha ininterrup­ta de combate à sexualizaç­ão e erotização das crianças e adolescent­es em todo o Brasil, utilizando-se todos os meios possíveis, e punindo severament­e todos que atentarem contra a inocência infantil”, diz o texto.

A defesa da Escola sem Partido e o combate às discussões de gênero também foram bandeiras de Bolsonaro. O líder da Frente Parlamenta­r Evangélica, deputado Hidezaku Takayama (PSC), foi procurado pelo Estado, mas não respondeu.

Ensino superior. O manifesto cita dados de estudo do Banco Mundial, segundo o qual um aluno de universida­de pública custa até três vezes mais do que um aluno de instituiçã­o privada, e defende que seja feita uma “rigorosa auditoria independen­te” dos programas de apoio do Ministério da Educação (MEC) ao ensino superior e técnico – Prouni, Fies, Sisu e Pronatec.

Ainda há críticas à Coordenaçã­o de Aperfeiçoa­mento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do MEC, dizendo que ela faz “repressão aos professore­s” e fere a autonomia universitá­ria. Procurado, o órgão disse que “não pode se manifestar sobre alegações subjetivas não fundamenta­das em fatos”.

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO–14/10/2018 Proposta. Grupo quer punir quem ‘atentar contra inocência’

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