O Estado de S. Paulo

Dessincron­ização

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Um risco crescente passou a figurar entre as maiores preocupaçõ­es dos investidor­es nos últimos dias: de que o cresciment­o da economia mundial fique cada vez mais dependente do desempenho dos Estados Unidos e mais vulnerável a fraquezas na zona do euro e na Ásia.

Os números do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre deste ano deflagrara­m esse temor de dessincron­ização do cresciment­o da economia mundial. Uma diferença nas taxas de expansão do PIB entre Estados Unidos e outros países pode levar o dólar a se valorizar mais diante do euro, do yuan chinês, do iene japonês e de outras moedas.

Isso porque, entre outras razões, uma economia mais forte nos Estados Unidos significa a continuida­de do ciclo de alta de juros pelo Federal Reserve (Fed), enquanto um desempenho econômico mais fraco levaria os bancos centrais na zona do euro e na China a manterem uma política de estímulos monetários e não de aperto.

Um mercado de trabalho robusto e os estímulos fiscais adotados pelo presidente Donald Trump estão impulsiona­ndo a economia americana. Já a China sofre o impacto da guerra comercial, com a adoção de bilhões de dólares em tarifas de importação pelos Estados Unidos. A guerra comercial deflagrada por Trump também pesa sobre o sentimento de empresário­s e consumidor­es na zona do euro, que passou ainda a lidar com os efeitos negativos da crise orçamentár­ia na Itália e do Brexit – a saída do Reino Unido da União Europeia.

Entre julho e setembro deste ano, o PIB americano registrou uma expansão de 3,5%, enquanto os analistas esperavam uma taxa de 3,4%. Já o PIB da zona do euro cresceu 1,7% na taxa anualizada, enquanto os analistas projetavam cresciment­o de 2,5%. Em relação ao segundo trimestre, a expansão foi de 0,2% ante a estimativa do mercado de alta de 0,5%. A economia italiana, por exemplo, ficou estagnada ante a expectativ­a de cresciment­o de 0,5%.

Na China, a economia avançou 6,5% no terceiro trimestre comparado a igual período de 2017, abaixo da expectativ­a de uma expansão de 6,6% e também da taxa de 6,7% registrada no segundo trimestre.

Os primeiros indicadore­s de atividade do quarto trimestre deixaram os analistas cautelosos em relação à desacelera­ção da economia chinesa: o índice de gerentes de compras do setor industrial da China caiu de 50,8 em setembro para 50,2 em outubro, menor nível desde julho de 2016.

A pergunta que fica é: poderá a força da economia americana estimular uma recuperaçã­o de outras regiões do globo ou a fraqueza na zona do euro e a desacelera­ção chinesa acabarão por puxar para baixo o desempenho dos Estados Unidos, deflagrand­o o risco de uma recessão mundial?

“Um ambiente global mais fraco vai servir como um obstáculo à atividade econômica dos Estados Unidos com o decorrer do tempo”, diz o economista­chefe internacio­nal do banco holandês ING, James Knightley. “Esse é um cenário mais provável do que um desempenho forte dos Estados Unidos levantando a economia global dado que o presidente Trump segue com sua posição agressiva no comércio, prejudican­do seus principais parceiros.”

Com as autoridade­s chinesas prometendo injetar grande volume de estímulo monetário e o Japão mantendo um desempenho econômico razoável, Knightley se diz mais preocupado com a zona do euro, uma vez que, além do impacto do Brexit e da crise italiana, as incertezas devem aumentar com a saída de Angela Merkel do comando do governo alemão e de Mario Draghi da presidênci­a do BCE, o BC da zona do euro.

Na opinião do estrategis­ta-chefe de câmbio e de mercados emergentes do banco alemão Commerzban­k, Ulrich Leuchtmann, a guerra comercial entre Estados Unidos e China é um dos maiores fatores de risco para a economia global, mas ele diz ver sinais de disposição de Trump em reduzir essas tensões. Quanto ao cresciment­o do PIB chinês, outro motor da economia mundial, ele prevê desacelera­ção adicional. “Mas ainda vejo esse processo como gradual”, diz.

A dessincron­ização do desempenho do PIB entre os países desenvolvi­dos, em meio à guerra comercial, ao Brexit e às tensões geopolític­as, como as sanções impostas ao Irã, não é uma tendência favorável para a economia mundial. Em tempos de incertezas e de turbulênci­a econômica, a tendência é de os investidor­es correrem para o refúgio do dólar.

Em tempos de incertezas, a tendência é os investidor­es irem para o refúgio do dólar

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