Do baixo clero a presidente eleito
A procuradora-geral, Raquel Dodge, e o ministro Dias Toffoli cobraram o cumprimento da Carta; presidente eleito diz que ela é único ‘norte’
Após 27 anos na Câmara como deputado do baixo clero (grupo sem muito poder na Casa), Jair Bolsonaro fez ontem sua primeira visita ao Congresso na condição de presidente eleito. Ele posou para fotos com Rodrigo Maia e disse que a Constituição é o único norte.
Em seu primeiro compromisso em Brasília como presidente eleito, Jair Bolsonaro ouviu discursos em defesa da democracia, das instituições e viu o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, segurar a Constituição e cobrá-lo: “Vossa Excelência estava exatamente com esta Constituição à mão e celebrando que, uma vez eleito, iria cumprir, como vai cumprir, a Constituição e as leis do Brasil”.
Pouco antes, a procuradorageral da República, Raquel Dodge, em seu discurso, frisou que “não basta reverenciar” a Constituição “em atitude contemplativa, mas é preciso cumpri-la”.
Bolsonaro participou de sessão solene no Congresso para comemorar os 30 anos da Constituição ao lado dos presidentes dos três Poderes. Sentado à ponta da mesa do plenário, o presidente eleito fez um rápido pronunciamento às autoridades e parlamentares. Disse que a Constituição é “o único norte”.
“Na topografia, existem três nortes, o da quadrícula, o verdadeiro e o magnético. Na democracia há só um norte, é o da nossa Constituição”, afirmou.
Também estavam à mesa os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (MDBCE), além de Michel Temer e do ex-presidente José Sarney (MDB). Na lista dos convidados havia cerca de mil pessoas, mas o plenário não ficou lotado – correligionários de Bolsonaro estavam em peso no local (mais informações nesta página).
O discurso da procuradorageral, Raquel Dodge, pontuou direitos fundamentais previstos na Carta Magna e trouxe referências a temas sobre os quais Bolsonaro já fez declarações polêmicas. Ela enfatizou a defesa dos direitos humanos, das minorias e do meio ambiente, previstos na Constituição, reputando-os como objetivos fundamentais da República. Bolsonaro já relativizou esses temas em diversas declarações ao longo de anos na Câmara dos Deputados e durante a campanha presidencial.
A procuradora-geral também frisou a pluralidade étnica e mencionou os povos nativos. “O Ministério Público é o defensor da sociedade, do interesse público, combate o crime e defende direitos fundamentais”, afirmou Raquel Dodge.
Em seu discurso, ela assinalou ainda a necessidade de liberdade de imprensa e de cátedra. “Muito se avançou desde a Constituição de 1988 e, por isso, é importante celebrá-la, para que se mantenha viva, aderente aos fatos, fazendo justiça e correspondendo à vida real da Nação. Para tanto é preciso guardá-la. Não basta reverenciá-la, em uma atitude contemplativa: é preciso cumpri-la, à luz da crença de que os países que custodiaram escrupulosamente suas Constituições identificam-se como aqueles à frente do processo civilizador”, disse a procuradora-geral.
Nas últimas semanas, os coordenadores de alguns órgãos do Ministério Público Federal da área de direitos humanos e das áreas criminal e prisional têm criticado e apontado dificuldade legal de implementação de algumas propostas de Bolsonaro, como a redução da maioridade penal, o fim da progressão de pena e a instituição do excludente de ilicitude (que poupa de investigação policiais que alegarem legítima defesa ao matar alguém).
União. O presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, defendeu o cumprimento da Constituição e a liberdade de atuação do Judiciário. Repetiu também a necessidade de união entre os três Poderes. Afirmou que, apesar de “momentos turbulentos” no País nos últimos anos, como operações a exemplo da Lava Jato, impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, “todos os impasses foram resolvidos de maneira institucional, democrática, com respeito à Constituição e às leis”.
Para Michel Temer, que também falou no evento, a Constituição de 1988 trouxe “inegáveis avanços” à democracia brasileira. O presidente destacou que “não há caminho” fora dela.
Cerca de uma hora antes do início da sessão, o presidente do Senado liberou a entrada de jornalistas no plenário do Congresso, que na véspera havia sido vetada por questão de segurança pela equipe de Jair Bolsonaro.