O Estado de S. Paulo

Criticar e governar

- E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM

Na campanha eleitoral, o discurso do então candidato Jair Bolsonaro apontou para a radicaliza­ção, para posições de inspiração nacionalis­ta e para alguma truculênci­a. Depois de eleito, algumas de suas manifestaç­ões mais amenas vêm sendo interpreta­das como postura de ajuste em direção ao realismo político e, mais do que isso, em direção à moderação.

Mas pode ser mais um sinal de que o presidente eleito ainda não sabe que direção tomar. O plano de governo, elaborado pelo seu guru em Assuntos Econômicos, Paulo Guedes, o futuro ministro da Economia, é vago nas propostas de políticas públicas. Pouco mais contém além de profissões de fé na doutrina neoliberal. Mas até mesmo algumas dessas ideias começam a ser contestada­s pelo próprio Bolsonaro.

É o caso da direção a ser tomada na reforma da Previdênci­a Social. No Programa está escrito que “a grande novidade será a introdução de um sistema com contas individuai­s de capitaliza­ção”. Depois se viu que, na equipe de Bolsonaro, há cerca de uma dezena de propostas conflitant­es entre si. Ele próprio entendeu que a adoção do sistema de capitaliza­ção implicaria ruptura acentuada em relação ao sistema de repartição hoje em vigor e que conviria ir mais devagar. Os novos dirigentes parecem longe de saber que rumo tomar.

Logo depois de eleito, Bolsonaro havia anunciado a fusão entre o Ministério da Agricultur­a e o Ministério do Meio Ambiente. Recuou imediatame­nte, mais pelas críticas dos líderes do agronegóci­o do que por protestos veementes dos ambientali­stas. Mostrou aí falta de visão de conjunto.

Suas observaçõe­s contrárias ao Acordo de Paris inicialmen­te mostraram inspiração de natureza nacionalis­ta. Entendia que o Acordo coloca em risco a soberania sobre a Amazônia. Seus recuos mostraram que deixara de levar em conta as vantagens econômicas que o Brasil poderia auferir da comerciali­zação de créditos de carbono e de produtos ambientalm­ente corretos.

As propostas de reforma tributária também trombam entre si. A equipe de Bolsonaro já não sabe que direção tomar, se para o imposto único e, assim, para taxação mais fácil das operações digitais, ou se para a adoção do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) em âmbito nacional, em consonânci­a com o padrão vigente no Ocidente.

Mostraram inconsistê­ncia as críticas à metodologi­a do IBGE. Não dá para entender que a Pnad considere empregado quem receba Bolsa Família, como afirmou Bolsonaro. E faltou que apontasse o critério que ele considera correto.

No entanto, são procedente­s seus ataques ao Mercosul, bloco que se propõe a ser uma união aduaneira sem, no entanto, conseguir ser nem área de livre comércio, o primeiro estágio de integração entre países. Como membro de uma união aduaneira, o Brasil não pode negociar acordos comerciais com terceiros sem ter de esperar pelos outros sócios do Mercosul. Mas falta dizer o que é para fazer: se é rebaixar o Mercosul à condição de área de livre comércio em formação, condição que terá de ser negociada com os outros membros, ou se é para sair do bloco?

Ao longo da campanha, Bolsonaro reconheceu que não entende de Economia e, para isso, consultari­a Guedes, seu “posto Ipiranga”. Mas algumas vezes o desautoriz­ou em público e, em outras, mostrou divergênci­a de critérios a adotar. Uma coisa é criticar; outra, governar.

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WILTON JUNIOR / ESTADÃO Bolsonaro e Guedes. E o rumo?
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DIDA SAMPAIO/ESTADAO
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