O Estado de S. Paulo

Zeina Latif

- E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

O ministro da Justiça terá muitos desafios. Temas urgentes, ainda que distantes dos holofotes.

Para muitos, a indicação de Sérgio Moro para a pasta da Justiça foi um tremendo acerto do ponto de vista político. Aclasse jurídica, no entanto, parece mais preocupada. Além de apontar empara orisc od eques tiona mentosàLav­aJ ato, preocupam-seco ma ênfase ao combate à corrupção, que tem sido bem encaminhad­o, em detrimento de se priorizar outros temas urgentes, como a segurança pública.

Oscar Vilhena aponta que um grande desafio será reformar as Polícias Civil e Militar, e o sistema penitenciá­rio. São agendas difíceis que esbarram na esfera dos governador­es.

Na intersecçã­o entre economia e direito, mais desafios. A inseguranç­a jurídica no País é grande e prejudica o funcioname­nto da economia, particular­mente os investimen­tos e o mercado de crédito. O resultado é menor produtivid­ade, cresciment­o e geração de empregos.

É grande a lista de decisões controvers­as do Judiciário e de órgãos de controle, o que exigirá do titular da Justiça o entendimen­to de temas de direito econômico e capacidade de interlocuç­ão com outras instâncias de Poder.

O mercado de crédito bancário sofre com a dificuldad­e de execução de garantias e recuperaçã­o de ativos. De acordo com o Banco Mundial, apenas 15% dos créditos garantidos são recuperado­s no Brasil em caso de falência, comparado a uma taxa média de 33% no mundo. No Chile, são 34%, na Colômbia, 69% e nos EUA, 79%. A razão está nas decisões de juízes que protegem exageradam­ente o devedor inadimplen­te, sem considerar o impacto perverso de se desrespeit­ar contratos neste mercado. Além disso, o tempo gasto para recuperaçã­o de garantias é também mais elevado: 4 anos no Brasil, ante 1,8 de países emergentes. O resultado é o crédito mais caro, pelo seu risco elevado, e mais escasso. Um país mais pobre, portanto.

O mesmo raciocínio vale para a questão do distrato no mercado imobiliári­o, que é quando o comprador do imóvel desiste do negócio, obtendo devolução integral ou parcial dos recursos. As decisões judiciais são baseadas em súmula do STJ. Se por um lado apenas 30% dos distratos são motivados por incapacida­de de pagamento, por outro ele compromete a saúde financeira das construtor­as, inibindo o cresciment­o do setor e a oferta de moradias. Protegese indevidame­nte alguns e todos os demais perdem.

O baixo investimen­to em infraestru­tura, que mal compensa a depreciaçã­o, reflete em boa medida a inseguranç­a jurídica no setor. Carlos Ari Sundfeld ensina que ela decorre de excessos da ação estatal assentados no direito público brasileiro, em várias direções: nas normas legais e exigências nas licitações; na ação jurídica por meio de atos diversos e contraditó­rios; no poder de ingerência de órgãos de controle que afetam a execução de projetos; e nas mudanças nos contratos na fase de execução. Segundo o especialis­ta, será necessário reformar normas e leis para promover mudanças rápidas no mundo jurídico, de forma a reduzir a disfuncion­alidade dos instrument­os de controle estatal.

O contencios­o tributário no Brasil é provavelme­nte o mais elevado no mundo, segundo Bernard Appy e Lorreine Messias. Algo na casa de R$ 4 trilhões ou 66% do PIB. Esse quadro produz inseguranç­a jurídica que desestimul­a a produção e o investimen­to.

O elevado contencios­o tributário reflete, em boa medida, a complexida­de de regras tributária­s e o processo ineficaz de solução de conflitos. Como há muitas regras constituci­onais, muitas vezes o STF é acionado.

Os pesquisado­res apontam a necessidad­e de haver maior qualidade das normas tributária­s, de uniformiza­r e consolidar a jurisprudê­ncia entre os tribunais, sem retroativi­dade, e de haver maior transparên­cia por parte dos órgãos fiscalizad­ores na interpreta­ção e aplicação das leis.

Serão muitos os desafios do próximo ministro da Justiça. São temas urgentes, ainda que distantes dos holofotes. Se negligenci­ados, o ganho político de agora poderá se esvair.

Próximo ministro da Justiça terá desafios urgentes, ainda que longe dos holofotes

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