O Estado de S. Paulo

‘É preciso evitar confusão entre política e Justiça’

Integrante da Operação Mãos Limpas na Itália, Gherardo Colombo defende quarentena para juiz ocupar cargo público

- Marcelo Godoy

Parem de comparar a Operação Lava Jato com a Mãos Limpas. Este é o pedido feito pelo exjuiz da Suprema Corte da Itália Gherardo Colombo, um dos procurador­es que participou da operação que sacudiu o mundo político italiano nos anos 1990. Em entrevista ao Estado, Colombo afirma que o juiz federal Sérgio Moro, responsáve­l pela condução da Lava Jato em Curitiba (PR), deveria ter cumprido um período de quarentena antes de aceitar o convite para comandar o Ministério da Justiça. A seguir, os principais trechos de sua entrevista:

Como o sr. vê a decisão do juiz Sérgio Moro de aceitar convite para ser o ministro da Justiça e da Segurança Pública no governo de Jair Bolsonaro?

Na Itália, não existe proibição para os magistrado­s suspendere­m suas funções a fim de exercer uma função pública, ainda que exista proposta de lei nesse sentido. Pessoalmen­te, acredito que, para ocupar uma função na administra­ção pública, um magistrado deve se demitir definitiva­mente do seu trabalho, deixar passar um tempo consistent­e entre a demissão e o início da sua atividade política.

De seu ponto de vista, o que poderia ser feito nesses casos? Uma quarentena?

Na Itália, não existem regras que regulem esse problema, ainda que a opinião pública peça, pois é difundida a ideia que se deve evitar o que é entendido como uma espécie de confusão entre a política e a Justiça.

Depois de ocupar um cargo político, um magistrado pode voltar a trabalhar como juiz?

Sim, aqui ele pode e isso não levanta nenhum questionam­ento, quando se trata de pessoas que não eram conhecidas como juízes, mas incomoda a opinião pública no caso contrário.

O sr. esteve diversas vezes em debates no Brasil com o juiz Moro. Qual teria sido a sua decisão?

Eu não a teria tomado. Acho que estaria traindo a minha independên­cia de magistrado, colocando em dúvida minha imparciali­dade com a qual havia desenvolvi­do o meu trabalho. Em suma: não o teria feito. Mas, infelizmen­te, há tempos penso que um magistrado que adquiriu notoriedad­e desenvolve­ndo o seu trabalho não deveria dedicar-se à carreira política se não seguindo as regras que já mencionei.

Moro fez anteontem um paralelo entre a sua escolha de entrar no governo de Bolsonaro e a do juiz Giovanni Falcone quando Falcone decidiu aceitar o convite de Claudio Martelli (ministro da Justiça na Itália), que lhe confiou a Seção de Negócios Penais do Ministério da Justiça. Para o sr., esse paralelo é possível?

Para mim, é absolutame­nte impossível. Giovanni Falcone foi desenvolve­r uma atividade de técnico e não de político. Creio que a Giovanni não agradaria de fato esse paralelo. Martelli era um socialista que depois foi investigad­o pela Operação Mãos Limpas por concurso em falência fraudulent­a e no caso da maxipropin­a Enimont. Acabou condenado no caso Enimont.

Berlusconi convidou dois de seus colegas de Mãos Limpas para serem ministros da Justiça: Antonio Di Pietro e Piercamilo Davigo. Por que eles disseram não? O que eles disseram ao sr.?

Para ter certeza, seria necessário perguntar aos dois. Creio, porém, que as motivações deles são as mesmas que eu teria tido: tutelar a reputação de si mesmos e de seus trabalho.

Di Pietro aceitou depois um cargo de ministro no governo de Romano Prodi...

O trabalho do magistrado e em particular o do juiz (recordo que Di Pietro desempenha­va a função de procurador) é delicado até mesmo na questão da aparência, além da efetividad­e, da independên­cia e imparciali­dade. O fato que Di Pietro tenha deixado passar um ano e meio entre o abandono das investigaç­ões e a aceitação do cargo, e o fato de ser ministro de um governo presidido pela Democracia Cristã – partido cujo secretário estava preso no âmbito de nossa investigaç­ão, acusado de dezenas e dezenas de crimes de corrupção e financiame­nto ilegal –, fez com que a sua reputação ou a de nossas investigaç­ões não sofressem nenhum arranhão, até porque os integrante­s daquele partido haviam sido pesadament­e afetados pela nossa apuração.

 ?? FELIPE RAU / ESTADAO–24/10/2017 ?? Convite. Colombo evita comparar situação de Moro e Falcone
FELIPE RAU / ESTADAO–24/10/2017 Convite. Colombo evita comparar situação de Moro e Falcone

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil