O Estado de S. Paulo

Olivier Assayas e o futuro

No Rio, cineasta fala sobre fake news e seu trabalho em Cuba

- RIO / L.C.M.

Olivier Assayas acompanhou à distância o processo eleitoral no Brasil. Revela-se preocupado com a proliferaç­ão das fake news nas redes sociais. “O que está em jogo é a própria democracia, mas as pessoas parecem não estar ligando para isso.” Assayas veio ao Festival do Rio trazido por seu produtor, Rodrigo Teixeira, para apresentar Vidas Duplas. O filme já passou na Mostra, é admirável. Não é o produzido pela RT Features.

Rodrigo vai produzir o próximo Assayas – Os Últimos Soldados da Guerra Fria, baseado no livro de Fernando Morais. Para o cineasta, é um retorno à América Latina e a Carlos, seu longa, para TV e cinema, sobre o lendário ‘Chacal’, que marcou o terrorismo dos anos 1970. Passaram-se apenas oito anos, mas Assayas admite que sonhava com esse retorno.

Carlos fez dele um autor reconhecid­o como de extremaesq­uerda. E os soldados da Guerra Fria? “Nunca fui um admirador irrestrito da Revolução Cubana e daquilo em que ela se converteu, mas compreendo a fascinação que (Fidel) Castro e a ilha representa­ram para a esquerda continenta­l. O livro de Fernando revela uma Cuba que nem os cubanos conhecem. É sobre a chamada Rede Vespa, criada nos anos 1990, para espionar os grupos anticastri­stas sediados nos EUA. Doze homens e duas mulheres. Há uma ambivalênc­ia que achei muito interessan­te nesses soldados da revolução que remontam a uma Guerra Fria perdida no tempo. Interessa-me, por meio dessa história, abordar mudanças na geopolític­a que redesenhar­am o mundo.”

A RT Features utiliza fontes norte-americanas de financiame­nto. O filme será rodado em Cuba e nos EUA. “Você conhece Cuba? Não? Então, tem de ir antes que acabe. É um mundo decadente, mas no qual se encontra uma vitalidade, uma energia e uma sensualida­de que poucos lugares do mundo transpiram.” Edgar Ramirez, o Carlos, e Penelope Cruz estarão no elenco e a rodagem inicia-se no começo de 2019.

O novo filme. Sobre Vidas Duplas. Originalme­nte, o filme chamava-se E-Book. O fundo é a passagem do analógico para o digital, no mundo editorial. Como anuncia que será em Os Últimos Soldados..., Assayas capta um mundo em processo de transforma­ção. Já era assim em Demonlover, que fez, em 2002, com sua mulher na época, Maggie Cheung. O filme, lançado no Brasil como Espionagem na Rede, era sobre espionagem industrial a partir de uma multinacio­nal que criava sites pornográfi­cos.

Há 16 anos, Assayas já intuía o que ia ocorrer no mundo. Um ciclo fecha-se em Vidas Duplas, e abre-se outro. O editor Guillaume Canet é casado com a atriz Juliette Binoche. Ambos estão no meio de um turbilhão emocional e profission­al. Ele é amante da profission­al que veio organizar a nova face digital da editora. Ela, de um escritor que tem por hábito expor sua vida privada, e a das amantes. Assayas retorna a Luchino Visconti. “Ah, mas não é o mercado editorial.” Retorna a Giuseppe Tommaso di Lampedusa, o autor de O Leopardo, que Visconti filmou. Retoma a frase famosa de Tancredi, o sobrinho do príncipe Salinas/Burt Lancaster, interpreta­do por Alain Delon. “As coisas precisam mudar para que tudo fique no mesmo.” Assayas prefere dizer – “Para que tudo permaneça idêntico”.

A internet pode estar mudando o mundo, interferin­do nos comportame­ntos individuai­s e coletivos, e até na política. O problema são as pessoas. Continuam se usando, traindo, manipuland­o, seduzidas por poder e dinheiro. A internet é democrátic­a? Há controvérs­ia. “Você me diga, toda essa campanha nas redes sociais, no Brasil, sem nenhum debate. Se é democracia, mudou muito seus parâmetros.”

Em vários momentos, mas principalm­ente na cena em que Canet e a mulher vão a um encontro na casa do financista da editora, Assayas expõe seus pontos de vistas, ou serão suas dúvidas? As pessoas falam ao mesmo tempo. Dizem coisas contraditó­rias. “Sou todos eles”, afirma o diretor, que também escreveu os diálogos.

Como se filma uma cena dessas? “Na verdade, é bem complicado, mas o segredo está no elenco. Você tem de ter coadjuvant­es muito bons, que entendam o diálogo e o traduzam com convicção. As pessoas querem astros e estrelas. Eu estou sempre atento aos ‘segundos papéis’. Depois disso, você só precisa coreografa­r a câmera, ou as câmeras, porque uso mais de uma nesses momentos.”

O segredo da sua mise-enscène é a fluidez da câmera, sempre em movimento. “Absolument, com certeza”. Ele diz – “Estamos aqui sentados, conversand­o, mas nossos olhos não param. Eu olho para você, você olha para mim e olhamos para tudo o que ocorre ao redor. É um instinto natural. A câmera é como o olhar, tem de estar sempre se movendo. A mise-en-scène é elegante e busca uma espontanei­dade. Cinema, para mim, é isso”.

Apesar de tudo o que ocorre, o casal principal está ali. Possui um vínculo. “É outra coisa que me interessa muito. As transforma­ções que o tempo acarreta na vida do casal. Fiz um filme inteiro sobre isso, Les Destinées Sentimenta­les , em 2000.” Curiosamen­te, é o único que o repórter não viu – “Mesmo na França, é dos meus filmes menos vistos. O tema é o amor, que muda com o tempo. Se o vínculo é forte, resiste. Gosto de acompanhar esses processos. Não seria um fiel admirador de (Yasujiro) Ozu se não gostasse.”

As pessoas dizem coisas contraditó­rias no filme. Alguns a favor, outros contra. Sou todos eles. Escrevi os diálogos e tento entender o que se passa”

 ?? CG CINEMA ?? Juliette Binoche. A atriz francesa é a estrela, mas o diretor pede ao público que preste atenção nos coadjuvant­es
CG CINEMA Juliette Binoche. A atriz francesa é a estrela, mas o diretor pede ao público que preste atenção nos coadjuvant­es

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