O Estado de S. Paulo

As urgências do agronegóci­o

-

A futura ministra terá de deixar de lado os interesses de sua bancada parlamenta­r.

Opresident­e eleito Jair Bolsonaro aceitou um risco evidente ao escolher para o Ministério da Agricultur­a a deputada federal Tereza Cristina (DEM-MS), presidente da Frente Parlamenta­r Agropecuár­ia. A escolhida pode ter muitos méritos, mas ainda terá de passar por uma prova importante na função ministeria­l. Integrando o Executivo, terá de agir como servidora pública, deixando de lado os interesses de sua bancada parlamenta­r e, de modo geral, os de qualquer empreendim­ento privado. Em termos simples: cometerá erro grave se entender como sua função a defesa dos interesses privados. Se trabalhar de forma competente no cargo, a agropecuár­ia será fortalecid­a. Mas isso deverá ocorrer como parte de uma política voltada para o cresciment­o geral e sustentáve­l da economia e do bem-estar do maior número de brasileiro­s.

Estas observaçõe­s podem parecer óbvias, mas há uma inegável tendência de imaginar os ministros da Agricultur­a, da Indústria e Comércio, do Trabalho e até da Cultura como defensores e promotores de interesses de setores. Essa tendência é menos forte quando os indicados são técnicos de boa reputação ou quando, originário­s da atividade setorial, tenham passado por função executiva na gestão pública.

Como empresária rural, a deputada Tereza Cristina tem a seu favor, para a boa condução das funções ministeria­is, o conhecimen­to próximo dos problemas da agropecuár­ia. O conhecimen­to prático envolve também uma visão crítica da atuação do setor público.

Essa visão se manifesta, por exemplo, na ideia de modernizar e fortalecer o sistema de controle sanitário do Ministério. Falhas do sistema de fiscalizaç­ão foram mostradas na Operação Carne Fraca. A exposição escandalos­a de irregulari­dades prejudicou as exportaçõe­s, mas o caso teria dificilmen­te ocorrido sem falhas organizaci­onais no sistema de controle. A futura ministra mencionou o assunto, citando também a conveniênc­ia de trazer mais missões estrangeir­as ao Brasil, em entrevista publicada na edição de sexta-feira do Estado.

Na entrevista a deputada mostrou preocupaçã­o com a permanênci­a da tabela do frete, criada por lei depois do bloqueio de estradas por transporta­dores no fim de maio. O tabelament­o, proposto pelo Executivo e aprovado no Congresso, fixou critérios de preços mínimos para o transporte rodoviário, estabelece­ndo, na prática, um cartel chapa-branca.

Sem usar a palavra cartel, a futura ministra cobrou urgência para a solução do problema. Ações de inconstitu­cionalidad­e estão emperradas há meses no Supremo Tribunal Federal (STF), como se a cúpula do Judiciário pudesse desconhece­r a urgência da questão. “Precisamos tratar desse assunto desde já”, disse a deputada. “Não dá para deixar para 1.º de janeiro.” Em outras palavras, é preciso cuidar do assunto antes da posse do novo presidente. A deputada tem razão ao cobrar medidas urgentes.

Boa parte da safra de verão já foi plantada com os custos elevados pela tabela de fretes. Se nada for feito para eliminar a aberração, a safra será colhida e transporta­da com os custos ainda inflados pela cartelizaç­ão do transporte rodoviário. Custos maiores diminuem o poder de competição do Brasil no mercado internacio­nal e complicam a manutenção de preços acessíveis no mercado interno. Podem prejudicar ao mesmo tempo o comércio exterior, afetando todo o sistema produtivo, e o consumidor nacional, pressionan­do custos da cadeia do setor de alimentos.

A futura ministra mostrou ainda preocupaçã­o, muito justificáv­el, quanto à orientação da diplomacia comercial. O novo governo deve dirigir a mensagem, prioritari­amente, a parceiros importante­s, como chineses, argentinos e árabes. “O presidente”, disse a deputada, “tem de dizer claramente qual é a política internacio­nal que pretende adotar.” Já foram iniciadas conversas, lembrou, com representa­ntes estrangeir­os. “Vamos dar tranquilid­ade tanto aos exportador­es quanto aos importador­es”, prometeu. Mas ainda cabe ao presidente eleito, é preciso insistir, deixar claras suas ideias sobre diplomacia e relações comerciais.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil