O Estado de S. Paulo

Entre expectativ­as e realidade

- JOSÉ MÁRCIO CAMARGO PROFESSOR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC/RIO, É ECONOMISTA DA GENIAL INVESTIMEN­TOS

Com taxas de inflação historicam­ente baixas e taxas de juros nos níveis mais baixos da história recente, o ano de 2018 começou com otimismo em relação ao desempenho da economia brasileira. No boletim Focus, do Banco Central, a estimativa média dos analistas era de cresciment­o de 3,0% em 2018. Passados dez meses, está claro que essas estimativa­s estavam excessivam­ente otimistas. A economia brasileira deverá crescer entre 1,0% e 1,5% em 2018. Por que o erro?

Muitas vezes, as expectativ­as não consideram fatores inesperado­s e de difícil previsão. E estes fatores foram extremamen­te importante­s em 2018. Nos últimos 12 meses, o País sofreu um conjunto de choques exógenos de grande intensidad­e. A taxa de câmbio desvaloriz­ou 29%, o preço da energia elétrica aumentou 20,5%, o preço do óleo diesel e o da gasolina subiram, respectiva­mente, 12,5% e 20%, os preços do petróleo no mercado internacio­nal dispararam 30% e uma greve dos caminhonei­ros paralisou o Brasil durante 15 dias. No cenário internacio­nal, o banco central norte-americano (Fed) começou a aumentar as taxas de juros e os Estados Unidos e a China iniciaram uma guerra comercial que já começa a gerar inflação nos Estados Unidos e desacelera­ção na China.

Como resultado disso tudo, a taxa de inflação dos preços administra­dos atingiu 10,38%. Entretanto, a inflação dos preços livres se manteve sob controle (2,58%) e a inflação de serviços permaneceu em queda, estando hoje abaixo de 3,0% ao ano. Ou seja, os choques não tiveram qualquer efeito sobre os preços dos produtos não diretament­e a eles relacionad­os.

O fato de, neste ambiente desafiador, a economia brasileira ter mantido a trajetória de cresciment­o com redução do desemprego e a taxa de inflação sob controle, sem o Banco Central aumentar a taxa de juros, indica uma economia muito mais forte do que no passado.

Os elevados níveis de ociosidade e de desemprego ajudam no controle da inflação. Mas isso não é tudo. Várias reformas foram implementa­das e foram fundamenta­is para atingir esses objetivos. Entre elas, posso destacar:

a dívida pública hoje é denominada em reais, e não em dólares, o que evita que uma desvaloriz­ação cambial se transforme em choque fiscal;

a Emenda Constituci­onal n.º 95 criou o teto para o cresciment­o do gasto público e diminuiu a incerteza quanto ao comportame­nto da dívida pública;

a substituiç­ão da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) pela Taxa de Longo Prazo (TLP) inverteu a relação entre a taxa de juros real dos empréstimo­s do Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social (BNDES) e a taxa de inflação, que era negativa para positiva, e transformo­u o BNDES de inimigo em parceiro do Banco Central no combate à inflação;

a liberaliza­ção da terceiriza­ção está reduzindo os custos de produção e a reforma trabalhist­a está diminuindo o número e o valor das demandas trabalhist­as e o custo do trabalho, além de ter criado opções de

Se o novo governo persistir na trajetória de reformas e o cenário externo se acalmar, 2019 promete

ajustes tais como o banco de horas individual, o contrato intermiten­te, a demissão negociada, em suma, um conjunto de possibilid­ades que, ao gerar incerteza quanto à forma como as empresas vão reagir aos choques – se aumentando preços, reduzindo custos ou racionaliz­ando a produção –, reduziram o poder de repasse dos aumentos de custos para os preços.

Se levarmos em consideraç­ão a intensidad­e dos choques, o desempenho da economia brasileira foi surpreende­ntemente bom. As reformas implementa­das nos últimos dois anos tiveram efeitos bastante positivos. Se o novo governo persistir na trajetória de reformas (em especial, mas não apenas, a reforma da Previdênci­a) e o cenário externo se acalmar (essa é a incógnita), podese esperar um ambiente bastante favorável em 2019, com inflação e juros ainda mais baixos do que os atuais. 2019 promete!

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