Futuro do Mercosul
OMercosul, cujas origens mais remotas remontam ao histórico aperto de mãos entre Sarney e Alfonsín na segunda metade dos anos 1980, constituiu uma evolução natural do processo de aproximação entre duas economias emergentes, dispostas a deixar para trás as desavenças e disputas políticas e caminhar juntas rumo a um espaço comercial comum, ao mesmo tempo mais aberto ao intercâmbio extrazona. Afinal, enquanto as barreiras e os conflitos restringem, dividem e separam, as trocas integram, criam riqueza e interdependência.
Sob a proteção de uma Tarifa Externa Comum (TEC) que lhe proporcionava competitividade em face das importações de bens industriais de outras procedências, parte das manufaturas nacionais pôde ocupar expressivas fatias de mercado nos países vizinhos, ao mesmo tempo que o Brasil era abastecido por alimentos de que carecia a preços competitivos, sem pagar tarifa.
Passados, porém, quatro anos de crescimento e benefícios mútuos, crises se sucederam, exceções à TEC e ao livrecomércio dentro da área se multiplicaram e restrições tiveram de ser aceitas “voluntariamente”, de modo que a integração sob a égide do Mercosul foi-se tornando um “mix” de difícil caracterização, haja vista o regime especial em vigor para o setor automotivo e a falta de uma política comercial comum.
Na verdade, para todos os fins jurídicos, o Mercosul nunca deixou de ser um acordo de complementação econômica ao amparo da Associação LatinoAmericana de Integração (Aladi), o Acordo de Complementação Econômica n.º 18 (ACE-18), aceito como tal pelo Gatt e, depois, pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Notificado simultaneamente nos termos da cláusula de habilitação e do artigo XXIV do Acordo Geral, o ACE-18 nunca foi objeto de renegociação de concessões ao abrigo do artigo XXVIII, eis que cada país-membro do bloco mantém a sua própria lista de concessões tarifárias consolidadas.
Com o passar do tempo, e, entre outros fatores, o aumento da participação da China nos mercados de bens manufaturados de quase todos os países, intensificaram-se as pressões sobre algumas indústrias da região, cuja produtividade começava a declinar, exigindo dos governos políticas e medidas destinadas a protegê-las da concorrência externa.
O Mercosul, enredado em sucessivas divergências entre os sócios, desperdiçando recursos escassos na busca de soluções para questões de política interna, terá até avançado do ponto de vista institucional, mas, sem se consolidar nem se aprofundar, suscita indagações e dúvidas acerca de sua relevância e utilidade.
Não se trata, evidentemente, de ignorar a singular importância do bloco para o fortalecimento das relações bilaterais e plurilaterais no Cone Sul, a qual por si só justificaria ou, melhor, compensaria com folga o parcial insucesso do processo de integração comercial. Em outras palavras, as limitações do comércio praticado dentro do Mercosul e o grau de proteção efetiva aplicado aos bens e serviços importados constituíram o preço a pagar pela capacidade desenvolvida pelos governos para manter o diálogo sempre aberto, franco e construtivo.
Por outro lado, não é preciso manter o status quo que pouco se alterou ao longo das últimas duas décadas, quando nossas necessidades em termos de retomada do crescimento, geração de emprego e renda, redução da pobreza e das desigualdades sociais estão a exigir uma reforma da política comercial que nos leve a uma maior e melhor inserção no sistema multilateral representado pela OMC.
Propõe-se, nesse sentido, que sejam eliminadas as distorções da TEC, seguindo um programa de liberalização autônoma que possibilite um gradual ajuste às novas condições de concorrência sem que isso se constitua em obrigação nos termos das regras multilaterais acordadas. Na hipótese de qualquer de nossos sócios se declarar impossibilitado de participar do exercício proposto ou se esse exercício por algum motivo não chegar a bom termo, restará ao Brasil optar por carreira solo, mantendo, porém, seu mercado aberto a Argentina, Paraguai e Uruguai.
A rigor, não há mesmo qualquer retrocesso na eventual passagem da união aduaneira imperfeita à zona de livre comércio incompleta. O Mercosul nunca deixou de ser um animal um tanto híbrido, que precisa com toda urgência se (re)definir. Não há perdas em buscar prestigiálo como mecanismo de consulta e coordenação político-diplomática. Um Mercosul unido em torno de temas de interesse comum tem valor inestimável. Quanto ao comércio, urge testar sua capacidade de integrar-se globalmente, a fim de atender às nossas impostergáveis necessidades econômico-sociais.
Sem se consolidar nem se aprofundar, ele suscita indagações e dúvidas acerca de sua relevância e utilidade