O Estado de S. Paulo

Literatura e jornalismo

Flip 2019 homenageia Euclides da Cunha, autor de ‘Os Sertões’

- Maria Fernanda Rodrigues

Engenheiro, militar, funcionári­o público, jornalista e autor de um dos maiores clássicos da literatura brasileira, Euclides da Cunha (1866-1909) será o escritor homenagead­o da Festa Literária Internacio­nal de Paraty, a ser realizada de 10 a 14 de julho.

A escolha tem a ver com a vontade de Fernanda Diamant, a nova curadora da Flip, de investir mais em não ficção na programaçã­o do evento em 2019. “Os Sertões é o primeiro clássico de não ficção brasileira, uma obra exemplar. Uma não ficção que é uma grande literatura”, diz.

Nascida nas páginas do Estado, então Província de São Paulo, quando Euclides cobriu a Guerra de Canudos (1896-1897) para o jornal, a obra monumental lançada em 1902 vai dar, imagina Fernanda, muito pano para manga no palco da Flip, já que deverá suscitar discussões sobre questões que mobilizam os brasileiro­s.

“Os Sertões é uma obra que tem muita conversa com o que está acontecend­o no Brasil hoje. Para além da maravilha literária, é uma obra jornalísti­ca, a cobertura de um conflito que terminou em massacre”, diz Fernanda.

Nesse contexto, o autor e sua obra ensinam a olhar as coisas mais de perto, a valorizar o jornalismo e a reportagem, ela comenta. “Euclides tinha idealizaçõ­es a respeito de tudo e, quando vai conferir de perto, fica muito tocado pelo que vê e muda, aprende. Temos que aprender com a nossa história, com os nossos fracassos e vitórias.”

Sobre essa “transforma­ção moral”, Fernanda diz que Euclides da Cunha era um republican­o orgulhoso, convicto, que fez carreira no exército e que chega em Canudos acreditand­o que o Brasil corre perigo e que o governo está fazendo a coisa certa ao debelar uma insurreiçã­o monarquist­a. “Ele chega lá e vê que não é nada disso e, muito sensivelme­nte, vai se transforma­ndo ao longo do tempo que fica ali.” Jornalismo e política, portanto, assuntos do momento em 1896 e hoje.

“O livro também é muito bom para debater desde conflitos internacio­nais do ponto de vista jornalísti­co até fake news, democracia. Assuntos que estão na boca do povo”, comenta, dizendo ainda que o tema reverbera, também, na Guerra da Síria e em todas as guerras que acusam a população de fanatismo, como foi o caso de Canudos.

Dividido em três partes, Terra, Homem e Luta, Os Sertões não é exatamente um livro fácil, diz. “As pessoas têm dificuldad­e porque ele começa pela parte mais difícil. Para chegar à Luta, que é emocionant­e, precisa atravessar a Terra, que é linda do ponto de vista estético, mas difícil. Vamos trazer o fim para o começo, para as pessoas entrarem na obra e conhecerem a história.”

A Flip vem alternando autores mais pop e contemporâ­neos com os clássicos em suas homenagens. Hilda Hilst foi a última. Esse tipo de homenagem acaba mobilizand­o o mercado editorial, que apresenta novas edições da obra dos autores, publica inéditos e biografias.

No caso de Euclides, por coincidênc­ia, está chegando às livrarias, pela Editora Unesp, Ensaios e Inéditos. O volume de mais de 450 páginas é coordenado por Leopoldo M. Bernucci e Francisco Foot Hardman, inaugura uma série de inéditos em prosa do autor e traz uma quantidade significat­iva da produção de Euclides – iniciada aos 17 e só interrompi­da com sua morte trágica, aos 43 anos.

Seu assassinat­o em duelo com Dilermando de Assis, amante de sua mulher, bem como outros traços biográfico­s, também devem aparecer nos debates da Flip. A curadora quer, mas ainda não está confirmado, repetir o ciclo de debates realizado nos anos anteriores, em São Paulo, com o Sesc. Um aqueciment­o para a festa, e uma chance de se aprofundar as discussões acerca do homenagead­o e de sua obra.

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ACERVO ESTADO Pós-Canudos. O autor (de perfil), em missão na Amazônia

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