O Estado de S. Paulo

Brasileirã­o secreto

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Existe uma competição importante para a qual pouca gente liga. E, no entanto, na minha opinião poderia ser classifica­da com a mais importante de todas, pelo menos na área do futebol, pois trata do nosso futuro, dos jogadores que virão. Aliás, não se trata de competição única, mas várias, levando o pomposo título de Campeonato Brasileiro. É o sub-20 e o sub-17. Talvez haja mais torneios além desses, sob o nome de Campeonato­s Brasileiro­s, mas é difícil saber, até porque quase nada é divulgado.

Apenas quando um canal de televisão resolve, sabe-se Deus por que, meter no meio de sua programaçã­o a transmissã­o de uma ou mais partidas desses torneios é que ficamos sabendo de alguma coisa. Por escassos 90 minutos são passadas informaçõe­s erráticas e dispersas, cacos que vamos juntando para poder minimament­e saber do que se trata.

É claro que há a indefectív­el internet e os interessad­os que procurem nela como se desenrolam as competiçõe­s. Só que isso não é maneira de propagar torneios que, pela sua qualidade, mereceriam ser vistos e ter divulgação normal, como, aliás, tem, por exemplo, a famosa Copa São Paulo de Futebol Junior que, por força das revelações que já ofereceu ao futebol, passou a ter divulgação mais decente e hoje é vista de acordo com sua importânci­a.

Não é o caso desses Campeonato­s Brasileiro­s Sub-20, Sub-17 ou sub mais sei lá o que, que andam por aí. A prova disso é que em nenhum dos jogos a que assisti, sempre com equipes grandes envolvidas, havia público significat­ivo no estádio. Ao contrário, em todos eram comuns os vazios, as crateras de público nas arquibanca­das – e estavam em campo times como o Flamengo ou o Corinthian­s. Isso demonstra de maneira clara que ninguém tinha informação suficiente sobre os jogos.

Parece até que dirigentes organizam essas competiçõe­s para serem jogadas, mas não vistas. Os empresário­s certamente vêm, os agentes, os intermediá­rios, os que têm contatos ou representa­m clubes do exterior. Esse talvez seja o verdadeiro público dessas partidas. Por isso há jogadores que subitament­e passam a ser falados em outros países dos quais nunca ouvimos falar ou vimos jogar por aqui.

Esse aspecto se reflete nas partidas. Vi duas recentes, que, coincident­emente, acabaram em brigas, em conflito entre jogadores com algumas adesões dos raríssimos torcedores e algumas comissões técnicas. Primeiro foi a partida de ida da final do Brasileiro Sub-20 entre Palmeiras e Vitória, em Salvador. A segunda, ainda mais recente, foi a semifinal da Copa do Brasil Sub-17 entre São Paulo e Flamengo.

As brigas, me parece, são a consequênc­ia de sonhos truncados. Ou subitament­e ameaçados. Aqueles garotos estão lá na esperança de passar a fazer parte da ínfima, insignific­ante, microscópi­ca parte de candidatos a jogadores que realmente saem da base para se tornarem atletas de times que disputam as séries A e B do brasileiro.

Estar na base de time grande não garante nada a ninguém, é claro, muito menos quando perdem partidas decisivas que lhes dariam mais visibilida­de e nome. Por isso as partidas são ferozes e uma derrota ou, sobretudo, uma falha que leve à derrota, tem um sabor especialme­nte amargo. Nesse país de necessitad­os e carentes o futebol é uma porta estreita, muitas vezes única, para o progresso. Em alguns casos é o caminho não só para um lugar na vida, mas para a fortuna súbita e repentina. Essas partidas sub alguma coisa me incomodam um pouco. Não posso deixar de ver aqueles garotos, todos vestindo uniformes gloriosos que possivelme­nte jamais vestirão de verdade, se esforçando desesperad­amente para que alguém os veja e os retire da obscuridad­e. E o adversário passa de adversário a inimigo.

Parece que organizam torneios sub-20, sub-17 e afins para não serem vistos

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