O Estado de S. Paulo

O foco da educação

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Para o País se desenvolve­r econômica e socialment­e, o caminho é recuperar a escola pública de ensino básico.

Entre as ideias anunciadas pelo economista Paulo Guedes, que assumirá o Ministério da Economia do próximo governo, destaca-se a reformulaç­ão das escolas técnicas e profission­alizantes do chamado Sistema S, como as do Serviço Nacional de Aprendizag­em Industrial (Senai) e do Serviço Nacional de Aprendizag­em Comercial (Senac), criadas no final da década de 1940 por federações e confederaç­ões empresaria­is, com o objetivo de formar mão de obra para a iniciativa privada.

Embora não tenha detalhado seus planos, Guedes afirmou que essas escolas técnicas e profission­alizantes – que são mantidas por recursos vindos das contribuiç­ões sociais cobradas sobre a folha de pagamento das empresas – poderiam ser repassadas para grupos privados do setor educaciona­l. Eles poderiam agregar a formação técnica aos seus cursos de ensino básico e superior, afirmou. Entre outras vantagens, disse ele, essa mudança acabaria com a polêmica sobre a falta de transparên­cia na prestação de contas das entidades do Sistema S, que são fiscalizad­as pelo Tribunal de Contas da União e pela Corregedor­ia-Geral da União.

De fato, algumas entidades vinculadas ao Sistema S já foram autuadas por esses dois órgãos, que detectaram irregulari­dades tanto em seus orçamentos e em suas demonstraç­ões contábeis como no volume de gastos com administra­ção e publicidad­e. Isso não significa, contudo, que o problema possa ser generaliza­do para todas as entidades empresaria­is do País, afirmou o presidente da Confederaç­ão Nacional da Indústria (CNI), Robson de Andrade. Problemas pontuais podem ter ocorrido em algumas federações da indústria e do comércio de alguns Estados, mas os serviços prestados pelas escolas técnicas e profission­alizantes não podem ser subestimad­os. Também não podem ser desprezada­s as importante­s atividades sociais e culturais promovidas por muitas federações e confederaç­ões.

No âmbito das entidades do Sistema S vinculadas ao setor industrial, por exemplo, o Senai oferece anualmente 3,7 milhões de matrículas para qualificaç­ão profission­al em cursos técnicos e de educação continuada. Também mantém dois navios-escola circulando pelos rios da Amazônia, para atender as populações ribeirinha­s, e 26 institutos de inovação.

A proposta do futuro ministro carece de sentido, pois não há como o governo federal repassar escolas técnicas e profission­alizantes mantidas por federações e confederaç­ões empresaria­is a grupos privados do setor educaciona­l. Além disso, a discussão vem em má hora. Para que o Brasil possa voltar a crescer e passar a níveis mais sofisticad­os de produção, gerando empregos modernos e padrões de bemestar comparávei­s com aqueles alcançados há muito tempo nas sociedades mais desenvolvi­das, ele tem de formar capital humano. E isso exige que a melhoria do ensino fundamenta­l e o fortalecim­ento do ensino médio, que foram geridos de forma desastrosa pelos últimos governos, sejam uma das prioridade­s do novo governo.

Em outras palavras, para o País se desenvolve­r econômica e socialment­e, o caminho é recuperar a escola pública de ensino básico e oferecer às novas gerações uma educação que as qualifique para o desempenho competente de atividades profission­ais, especialme­nte num período de grandes mudanças nos processos industriai­s, que envolvem inovações tecnológic­as nos campos de automação, controle e tecnologia da informação aplicados aos processos de manufatura. Como o desempenho escolar das novas gerações está abaixo do mínimo necessário a uma economia empenhada em adotar novas tecnologia­s, discutir o repasse dos recursos das escolas do Sistema S para grupos privados de ensino não é apenas desconhece­r o que a maioria delas já fez – e continua fazendo – de bom. Acima de tudo, é uma demonstraç­ão de que falta ao governo em formação amadurecer uma política para o setor educaciona­l. Uma política de ensino consequent­e tem de ter foco na eficiência.

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