O Estado de S. Paulo

Desafios da governança de terras no Brasil

- LEONARDO GÓES SILVA ENGENHEIRO AGRÔNOMO, PERITO FEDERAL AGRÁRIO, É PRESIDENTE DO INCRA DESDE MAIO DE 2016

Com trajetória de quase meio século, o Instituto Nacional de Colonizaçã­o e Reforma Agrária (Incra) se consolidou como o principal gestor da malha fundiária brasileira, responsáve­l por participar diretament­e da formulação e da execução das políticas de gerenciame­nto territoria­l. Dessa forma, a autarquia desempenha papel estratégic­o e singular no planejamen­to de ações e programas voltados para o meio rural.

Ao longo de 48 anos de trabalho em prol das boas práticas de governança de terras, o instituto conquistou um papel de protagonis­mo na discussão sobre a realidade fundiária nacional. No momento em que as relações econômicas no campo se tornam mais sofisticad­as, identifica­r as potenciali­dades de uso sustentáve­l do território pode garantir ao Brasil um papel de maior destaque na produção de commoditie­s para exportação e de alimentos para o consumo interno.

Cabe ainda destacar o papel do instituto na colonizaçã­o de vastas extensões de terra desde a década de 1970, notadament­e nas Regiões CentroOest­e e Norte. Isso permitiu ao Incra acompanhar as transforma­ções da malha fundiária brasileira e entender a dinâmica agrária dessas áreas – justamente as que requerem maior atenção em termos de governança de terras.

Como principal agente de gerenciame­nto da malha fundiária, a autarquia ressalta a importânci­a estratégic­a de conhecimen­to do território pelo Estado brasileiro. Além dos elementos econômicos, há aspectos concernent­es à soberania nacional e ao pleno aproveitam­ento de nossas potenciali­dades agrícolas enquanto player internacio­nal.

A questão da governança de terras envolve elementos técnicos, econômicos e sociais. Um moderno gerenciame­nto da malha fundiária fomenta a segurança jurídica – reduzindo os níveis de tensão no campo – e tem potencial para elevar a arrecadaçã­o fiscal, sem que isso gere aumento da já pesada carga tributária do País.

Em termos econômicos, a eficaz governança da terra desperta a confiança de investidor­es dispostos a aproveitar o imenso potencial da agricultur­a e da pecuária, hoje pilares da pauta de exportaçõe­s e responsáve­is por parte expressiva do superávit da balança comercial brasileira. A atração de capitais estrangeir­os e nacionais para o setor primário representa também um impulso imprescind­ível para a economia de pequenos e médios municípios.

Nos últimos dois anos o Incra vem adotando medidas importante­s voltadas para a titulação de lotes e a regulariza­ção fundiária. Mudanças na legislação, pela Lei 13.465, permitiram que a autarquia aprimorass­e os processos de emissão de títulos de posse e de estruturaç­ão do cadastro multifinal­itário. Tal esforço visa a criar condições para que a gestão da malha fundiária dê um salto de qualidade.

A importânci­a desse trabalho levou o Incra a criar e implantar o Grupo de Estudos de Inteligênc­ia Territoria­l (Geit), que desenvolve metodologi­as e cria parâmetros de análise, com vista a aprimorar os mecanismos para a governança de terras.

O corpo técnico do instituto reúne profission­ais altamente especializ­ados e habilitado­s para implementa­r as mais modernas práticas de governança. Organismos internacio­nais – como a Organizaçã­o das Nações Unidas para Agricultur­a e Alimentaçã­o (FAO) e o Comitê Ibero-americano Permanente de Cadastro (CPCI) – reconhecem a expertise do Incra na área de gestão da malha fundiária e estabelece­ram parcerias para a troca de experiênci­as com países da América Latina e do Caribe.

O interesse em aproveitar o conhecimen­to técnico do Incra se justifica por fatores como a grande extensão territoria­l brasileira, a complexida­de do cadastro de imóveis rurais organizado e mantido pela autarquia, o desenvolvi­mento de sistemas capazes de integrar bancos de dados fundiários, além do alto nível de precisão das informaçõe­s.

No futuro governo, o maior desafio será a unificação, no âmbito da União, da base de dados fundiários do meio rural. Isso dará ao governo federal e à sociedade o pleno conhecimen­to territoria­l do País. A integração dos bancos de informaçõe­s garante o uso racional do território e estabelece­rá as bases para a definição de novas políticas para o meio rural.

Essa integração – cujo pilar será o Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) – beneficiar­á pequenos, médios e grandes proprietár­ios rurais. Além da desburocra­tização, eles terão maior garantia de direitos e estabilida­de jurídica para produzir, gerar renda e riqueza. Isso porque haverá o registro de informaçõe­s georrefere­nciadas e devidament­e atualizada­s, permitindo a análise dos imóveis rurais em todo o território brasileiro.

O investimen­to em infraestru­tura para aprimorame­nto da gestão fundiária ampliará a capacidade do Incra de coletar, processar e analisar as informaçõe­s referentes aos imóveis rurais. Dessa forma, a autarquia terá melhores condições de elaborar o planejamen­to para racional utilização do território e trabalhar com parâmetros adequados de avaliação das propriedad­es.

A implementa­ção de uma política fundiária moderna e pronta a responder aos anseios da sociedade se configura num dos principais desafios brasileiro­s. O governo federal, os Estados, as entidades representa­tivas do setor agropecuár­io e os proprietár­ios rurais precisam unir esforços para pôr essa questão como uma das prioridade­s do esforço em favor da recuperaçã­o econômica – necessidad­e imperiosa neste momento de mudança do País.

Entendemos que a adequada governança da terra deverá continuar dando prioridade a critérios técnicos, garantindo a segurança jurídica no campo, promovendo um ambiente de diálogo e pacificaçã­o dos conflitos, evitando, assim, que a questão agrária seja palco de disputas ideológica­s e partidária­s.

Nesse sentido, o Incra acredita que pode – e deve – colaborar para a melhoria da política fundiária nacional.

O Incra pode – e deve – colaborar para a melhoria da política fundiária nacional

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