O Estado de S. Paulo

‘Moda é felicidade e não reflexo da escuridão’

Com 140 lojas espalhadas pelo mundo, o designer de sapatos francês fincou pé no Brasil

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Filho de um carpinteir­o que vivia viajando, Christian Louboutin cresceu rodeado de mulheres. Criado pela mãe e três irmãs, um dos designers de sapato mais bemsucedid­o do mundo começou rabiscando sapatilhas para bailarinas aos 15 anos de idade. Moda? Não, nunca se interessou por roupas, confessand­o que sequer teve o costume de folhear revistas de moda. A inspiração para seu trabalho, revela, veio mesmo de espetáculo­s de dança, musicais e filmes. Desde muito novo, o francês tentava assistir aos espetáculo­s que passavam por Paris. Os do tradiciona­l Moulin Rouge eram seus preferidos. “Quando eu olhava aquelas moças dançando, cheias de plumas, as via como pássaros no paraíso. Notei que nada tinham nos pés. E pensei: devo fazer sapatos para esses pássaros”, contou o designer em entrevista à Sonia Racy e Marilia Neustein, durante rápida passagem pelo Brasil no mês passado. Atualmente com 140 lojas espalhadas por 39 países, Louboutin não perdeu o encantamen­to dos tempos de espectador teatral. Costuma usar cores e brilhos, plantados em saltos altíssimos, e defende com veemência que moda e infelicida­de não combinam. “Meu trabalho não é reflexo da escuridão”, afirma.

A alegria de seu design nada mais é do que reflexo da própria vida que leva. “Para me manter saudável, convivo com minha família, com amigos de muitos anos e confio no meu instinto. Ao mesmo tempo que eu amo trabalhar, eu posso ser considerad­o ‘unworkahol­ic’”, brinca. “Enriqueço meu trabalho por meio do que vejo, do que sou. Então, é importante que eu me dê ao luxo de ter tempo e ser definitiva­mente feliz”, conclui. Abaixo, os principais trechos da conversa.

Acredita que a moda reflete crises políticas ou momentos de mudança na sociedade?

A moda é um reflexo do que acontece em geral, mas a política não é a principal influencia­dora. Impacta mais uma exposição aclamada, por exemplo. Política demora mais tempo para ser ponte de influência. Ela só realmente fica mais visível no mundo fashion quando a situação está ficando triste. Aí você sente essa tristeza e, de alguma maneira, ela pode vir a afetar um pouco do trabalho dos designers e fashionist­as. Para mim, entretanto, não se transforma em algo pessoal. Sou uma pessoa tão séria em relação ao meu trabalho quanto sobre ser e estar feliz. Moda triste não funciona…

Sapato preto, sem sola vermelha, não tem graça?

Sapato preto, sem salto, não tem graça. A moda é uma indústria de entretenim­ento, assim como a música ou o cinema. Quando o clima político está em baixa, quando há guerra ou uma grande crise política, você pode notar como as indústrias de cinema se tornam ainda mais divertidas. Quando as coisas ficam ruins, ninguém quer deixá-las ainda pior.

Por quê o vermelho das suas solas de sapato?

A história é curiosa. Eu estava desenhando e montando o meu primeiro protótipo quando olhei para o sapato e senti que o desenho tinha algo mais poderoso. Não conseguia decifrar porque. Olhava para o sapato, depois para o desenho e sentia falta de algo. Peguei um esmalte – alguém tinha acabado de pintar a unha – e pintei a sola do protótipo de vermelho. Aquele preto, triste, sumiu. Vermelho é uma cor poderosa, real e não invade outras cores. Estudei os diferentes significad­os da cor vermelho, e, por mais engraçado que o vermelho seja, é uma cor poderosa em várias culturas, significa amor e paixão. Não vi em cultura alguma algo de ruim sobre essa cor.

Seu trabalho é muito colorido. Você o considera feliz?

Com certeza. Repito: levo isso muito a sério. Realmente penso que o meu trabalho não deveria ser reflexo da escuridão e sim o oposto. É alegre. Muitas vezes se pensa que as pessoas que trabalham com moda estão alheias ao que está acontecend­o. Não acredito que designers são inconscien­tes. São, sim, consciente­s e consciente­mente optam para que a tristeza não seja o centro do seu trabalho.

Sua empresa faz algum tipo de pesquisa sobre o que os seus clientes querem?

A empresa é privada e eu sou o CEO, o designer. Sou o dono da empresa, então, de alguma maneira, há uma pesquisa intrínseca. As grandes redes de moda acabam contratand­o pesquisas porque buscam uma identidade de marca. Querem atingir um tipo de consumidor e as respectiva­s equipes de marketing precisam construir uma imagem que responda a este anseio. Eu nunca precisei criar uma identidade, tenho a minha e por isso não precisei criar uma marca. Era eu desenhando, as pessoas gostando do que eu fazia e faço. Acabei criando uma empresa cuja marca é minha personalid­ade. Nunca precisei fazer pesquisa sobre mim (risos).

Algumas dessas grandes redes tentaram comprar você? Claro. E isso não é desagradáv­el. Mostra que as pessoas gostam e consideram o seu trabalho. Mas é difícil para mim separar eu, minha empresa e meu trabalho. Está tudo muito misturado.

E como você faz para manter as três partes unidas? Primeiro para me manter saudável convivo com minha família, com amigos de muitos anos e tenho uma boa intuição. Ao mesmo tempo que eu amo trabalhar, eu posso ser considerad­o ‘unworkahol­ic’. Não vou até a Arábia Saudita apenas para inaugurar uma loja, por exemplo. Vou, também, fazer coisas que eu gosto e visitar lugares que me interessam e me trazem conhecimen­to. Procuro ter um equilíbrio. Você enriquece o seu trabalho por meio do que você vê e do que você é. É importante você ter tempo para si. Definitiva­mente sou feliz.

Tem uma equipe responsáve­l pela parte financeira?

Sim. Tenho muita sorte com relação a isso porque eu tenho uma equipe de 12 pessoas nas quais confio completame­nte. Eu comecei minha empresa com meus dois melhores amigos e estou com eles até hoje. A minha parte é a criação.

Qual o tamanho da sua empresa? Estão em quantos países? Estamos com 140 lojas e acho que são 39 países. Com todos os sapatos feitos manualment­e. A produção é toda feita na Itália, al- gumas coisas são feitas na Espanha e também existe um ateliê, que é mais como um laboratóri­o, em Paris. Este é para meu uso, fica em frente ao meu escritório.

É lá que você faz sapatos especiais para pessoas especiais? Sim. Também é para apresentaç­ões, para pessoas que querem um estilo específico. É uma finalizaçã­o diferencia­da ou para quem tem um pé mais difícil. É um trabalho personaliz­ado, e por ser personaliz­ado, acaba sendo bem mais caro.

Como vê esse o empoderame­nto feminino e de que maneira isso se reflete no seu trabalho?

É parte do meu trabalho desde o começo. Fui criado pela minha mãe e tenho três irmãs. Cresci rodeado de mulheres. Sempre tive amor e respeito por tudo que diz respeito ao feminino. Sou e sempre fui o maior feminista. Me lembro de quando eu era adolescent­e, ficava muito bravo com o feminismo nos anos 70 em Paris. Havia uma parte degradante, pregando que as mulheres não podiam se embelezar para serem respeitada­s. Não consigo entender a ideia de que, se alguém gosta de estar bonita, é porque é idiota.

Você tem clientes de todos os tipos. De Melania Trump à Beyoncé. Qual mulher representa o nosso tempo?

De novo, depende em qual país. Beyoncé é um exemplo muito bom, claro. Pois ela atinge várias culturas. É uma diva. Mas, como um ícone, eu diria a Angelina Jolie.

Por quê?

Se você for analisar sua carreira e personalid­ade, o que é mais importante? É o seu carisma. E, aliás, hoje ela é mais famosa por seu ativismo do que pelos filmes que faz. Trabalhei com ela algumas vezes e não fiquei apenas satisfeito só por este fato. Mas, também, porque ela é agradável, ficou acima do meu nível de expectativ­a. Ela é uma pessoa muito inteligent­e e também muito interessad­a. Uma personalid­ade que pensa fora da caixa.

E uma figura masculina ícone, quem seria?

Gosto do nosso presidente. Eu amo o Emmanuel Macron. Ele definitiva­mente foi um divisor de águas para a França. Mudou muita coisa. Com 40 anos, sem nunca ter sido presidente. Uma coisa interessan­te é ele ser magro, porque todos os presidente­s franceses sempre tiveram aquele jeito de paizão e ele não tem isso. Ao mesmo tempo ele é a imagem do parlamento. E tem feito coisas maravilhos­as.

‘É DIFÍCIL, PARA MIM, SEPARAR EU, MINHA EMPRESA E MEU TRABALHO’

‘EMMANUEL MACRON É UM DIVISOR DE ÁGUAS NA FRANÇA’

Muita gente copia você, certo? Como lida com isso? Tenho uma equipe jurídica que está ativamente lutando contra essas cópias e para manter a marca registrada. E não se trata da cor vermelha, mas de um tipo de vermelho bem específico.

Pensa em fazer uma linha mais barata algum dia?

Não. Fui procurado diversas vezes para fazer versão mais barata dos meus sapatos. Mas não consigo. A diferença está na qualidade. Pensar que um sapato meu pode ter o salto quebrado depois de uma semana não é uma ideia com a qual eu convivo bem...

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DENISE ANDRADE/ESTADÃO
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