O Estado de S. Paulo

Uso de antibiótic­o no País bate o da Europa

Saúde. Uso indiscrimi­nado do remédio pode levar ao surgimento de bactérias multirresi­stentes, segundo entidade mundial; avanço nas técnicas de diagnóstic­o é um dos caminhos para que prescrição do medicament­o seja mais certeira, afirmam especialis­tas

- Fabiana Cambricoli Jamil Chade / GENEBRA

O número de doses de antibiótic­os consumidas no Brasil está entre os maiores do mundo, superando a média da Europa, Canadá e Japão. Os dados estão em relatório da Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) divulgado anteontem, que alerta para as consequênc­ias do uso indiscrimi­nado desse tipo de medicament­o. A principal preocupaçã­o da agência é que o consumo indevido favoreça o surgimento de bactérias multirresi­stentes causadoras de infecções difíceis de curar.

O levantamen­to da OMS incluiu os dados de 65 países onde as informaçõe­s são coletadas de forma rigorosa. O indicador foi o número de doses diárias (DD) consumidas para cada mil habitantes. No Brasil, o índice ficou em 22 DD para cada mil, o que coloca o País como o 19.º maior consumidor do remédio entre as 65 nações pesquisada­s.

Na Europa, a média é de 18 doses, enquanto no Canadá e no Japão o índice medido foi de 17 e 14 DD, respectiva­mente.

O relatório mostra grande variação do consumo do medicament­o entre os países. O índice variou de 4 no Burundi (África) a 64 DD na Mongólia (Ásia).

OMS e especialis­tas ressaltam, porém, que índices muito baixos de consumo também não são positivos. A grande diferença no uso de antibiótic­os indica que alguns países provavelme­nte abusam no consumo enquanto outros não têm acesso suficiente aos remédios.

Diretora médica do Serviço de Microbiolo­gia do Laboratóri­o Central do Hospital das Clínicas, Flávia Rossi concorda. “Tanto o uso excessivo quanto o pouco uso são preocupant­es”, diz ela, que defende, no caso do Brasil, medidas para reduzir o consumo inadequado.

“Uma das principais ações seria investir em melhorias nos métodos diagnóstic­os para que a prescrição do medicament­o seja mais certeira. Precisamos, principalm­ente no sistema público, de mais investimen­tos nos laboratóri­os de microbiolo­gia para que o médico e o doente saibam de forma mais rápida qual é o micro-organismo causador da doença”, declarou Flávia, que faz parte de um grupo de especialis­tas convocados pela OMS para discutir protocolos para o uso racional de antibiótic­os entre humanos e animais (mais informaçõe­s abaixo).

Suzanne Hill, chefe da Unidade de Medicament­os Essenciais da OMS, afirma que é esse uso inadequado que tem levado a uma resistênci­a cada vez maior das bactérias aos produtos. Isso acontece quando pacientes usam antibiótic­os em situações em que não precisam ou quando não terminam o tratamento, dando a chance para que parte das bactérias resista e crie “imunidade” ao remédio.

Diante disso, a Associação Panamerica­na de Infectolog­ia, em parceria com a farmacêuti­ca Pfizer, lançou esta semana campanha nas redes sociais para conscienti­zar pacientes sobre o uso racional dos remédios. “A ideia é mostrar que pequenas ações, como o uso conforme prescrito pelo médico e o descarte correto, podem salvar milhões de vidas”, diz Eurico Correia, diretor médico da Pfizer.

A resistênci­a bacteriana têm preocupado autoridade­s brasileira­s. Em 2010, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) endureceu a regra para prescrever antibiótic­os. Quase todos os remédios do tipo passaram a ser vendidos só com a retenção da receita. Questionad­a ontem sobre os efeitos da medida, a Anvisa disse não conseguiri­a responder no prazo.

Vítimas. Apenas a resistênci­a aos antibiótic­os que tratam de tuberculos­e causa 250 mil mortes por ano. Além desse, a OMS já identifico­u 12 casos em que a resistênci­a a produtos no mercado já é uma ameaça.

No total, 51 novos antibiótic­os estão em diversas etapas de avaliação e teste. Mas desses, só oito são classifica­dos pela OMS como “tratamento inovadores”. Mas não há garantia de que cheguem ao mercado porque ainda precisam passar por todas as fases de pesquisa clínica.

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SRDJAN ZIVULOVIC/REUTERS-18/9/2013 Risco. Uso incorreto pode levar à resistênci­a das bactérias

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