O Estado de S. Paulo

O bom estudante é alguém focado e que tem clareza madura sobre o que deseja.

- Leandro Karnal

Querida Camila Karnal: você me perguntou sobre método de estudo. Tenho algumas indicações que podem servir. Examine se servem para você, pois nenhum sistema é universal. Todas as indicações devem ser testadas e avaliadas no seu universo e adaptadas a suas metas.

A primeira pista é a regularida­de. O cérebro responde à rotina com entusiasmo. Se puder, estude sempre nas mesmas horas, acordando no mesmo horário e no mesmo lugar quando possível. Nunca deixe para estudar “quando der vontade”. Estudo não precisa de inspiração, vontade ou dia propício. Somente crianças imaginam que o prazer seja a única causa da ação. Adultos sabem que devem fazer para colher mais adiante.

Foco é tudo. Nunca se pode estudar com fonte de comida permanente por perto, janelas que se abrem para paisagens interessan­tes. Você deve estar suficiente­mente confortáve­l para não pensar em partes do corpo sendo machucadas e suficiente­mente focada para não dormir. Sempre e acima de tudo: não é possível estudar com celular anunciando mensagens. Marque horários para ver seu oráculo eletrônico e não controle a hora pelo celular: senão, não funciona! O maior inimigo da concentraç­ão é o seu smartphone. Quem não quer estudar deixa o aparelho acessível. Quem deseja focar com sucesso tranca em gaveta longe do seu ambiente de trabalho.

Um bom estudante é alguém metódico, focado e que tem clareza madura sobre o que deseja. Aqueles que não têm tais valores irão abordá-la com convites e desestímul­os. Fuja deles.

Concentraç­ão é treino. Se você conseguiu meia hora de leitura plenamente atenta, vá aumentando aos poucos. Se sentiu fraquejar a compreensã­o, levante-se, lave o rosto, respire e volte. O uso de recursos como café deve ser moderado. Água ajuda a manter o corpo bem e os intervalos para o banheiro são pausas boas.

Estabeleça metas ambiciosas e reais para seu estudo. Qual o tempo de que você dispõe? Qual o volume de coisas? Tenha diante de si sua meta escrita e colocada de forma visível: a prova, o concurso, o semestre, o trabalho.

Existem muitos tipos de retenção de informaçõe­s, querida Camila. Algumas pessoas precisam escrever e fazer esquemas. Outras usam marcadores de textos. Há pessoas que necessitam falar em voz alta o que estão estudando. Explicar para um colega de estudo funciona, ainda que o estudo seja sempre um ato solitário. Revisar em grupo (se for turma focada) é estimulant­e.

Fique atenta ao seu ritmo. Em qual momento começa a decair o foco? Quando está lendo e já não se lembra do que viu segundos atrás? É hora de uma pausa. O intervalo pode ser muito breve ou mais longo. Não ignore seu cansaço, porém não seja escrava de cada bocejo dado. De novo: atenção depende de treino.

Se algum problema a aflige antes de começar a estudar, escreva em um papel e o coloque de lado. É uma técnica para pensar naquilo depois.

Faça esquemas, listas de conceitos, frases importante­s, ideias centrais emoldurada­s com cores e vá constituin­do folhas organizada­s. Pode parecer antigo, mas no caso de estudo é melhor fazer a mão, pois reforça a retenção e compreensã­o. Alguns estudos mostram que usar lápis ajuda ainda mais a reter o estudado do que se usarmos caneta. Talvez seja exagero. O importante, reveja muitas vezes o que escreveu. Varie: fale em voz alta, reescreva, repita, imagine melodias para os textos e conceitos e todo recurso que você considerar válido.

Estudar é para gente amadurecid­a. Se você precisa de alguém mandando ou estimuland­o, verificand­o ou cobrando, ainda não chegou lá. Você estuda porque isso vai transforma­r sua vida, vai lhe abrir horizontes e portas e irá desenvolve­r o seu potencial. Estudar é um prazer, acima de tudo, mas para chegar ao patamar do prazer (como com a musculação ou a dança clássica) é preciso suar um pouco e até enfrentar alguma dor. Os franceses chamam de “gosto pelo esforço” a essa determinaç­ão: goût de l’effort.

Eu descrevi ambientes ideais. Nem sempre dispomos deles. Seu avô estudava línguas com listas de palavras no ônibus a caminho de Porto Alegre. Conservei algumas com palavras em latim e inglês que ele ia memorizand­o no transporte. Temos de intensific­ar o resultado aproveitan­do muito. Depois de alcançar suas metas diárias e semanais, relaxe, saia com amigos, namore, caminhe e respire. Equilíbrio é fundamenta­l. Esperar demais da máquina cerebral leva o motor a ter problemas estruturai­s. Não forçar nada faz do estudo algo ineficaz.

A força de alguém que sabe o que quer é avassalado­ra. Em um mundo de gente seguindo impulsos variados e cedendo a obstáculos imediatos, a dedicação intensa brilha como um diamante puro. Não importa muito o que você será em dez ou vinte anos. Há muitos destinos possíveis, todos passam pelo esforço do estudo. Aquilo que você investir nessa fase de formação é puro e líquido lucro a colher depois. A Camila de 2035 se voltará, saudosa e agradecida, à Camila de 2018. Você precisa acreditar no esforço e nunca desistir. Em um sábado à tarde ou domingo pela manhã, estudando sozinha e tendo recusado muitos convites, você terá demonstrad­o que seu projeto de vida vai além do fim de semana. Agora, releia tudo que escrevi, adapte à sua realidade e mude à vontade. Tudo é relativo, menos a história de afastar o celular. É preciso ter esperança!

Um bom estudante é alguém focado e que tem clareza madura sobre o que deseja

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