O Estado de S. Paulo

Diplomata admirador de Trump vai chefiar Itamaraty

Em artigos, Ernesto Araújo critica ‘ideologia globalista’ e defende ‘nacionalis­mo ocidental’ do presidente dos EUA

- Breno Pires Luciana Dyniewicz / BRASÍLIA Ricardo Galhardo / COLABORARA­M LU AIKO OTTA e BEATRIZ BULLA

O diplomata Ernesto Araújo, de 51 anos, será o ministro das Relações Exteriores do governo de Jair Bolsonaro. Promovido a embaixador em junho, Araújo dirige o Departamen­to de Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interameri­canos do Itamaraty. Durante a disputa eleitoral, o futuro ministro criou blog no qual criticou o PT, que classifico­u de “Partido Terrorista”. Em artigos, ele fez críticas à esquerda e ao que chama de “ideologia globalista” e defendeu o “nacionalis­mo ocidental” do presidente americano Donald Trump. Cabe ao chanceler atuar na formulação e conduzir a política externa do Brasil. Analistas ouvidos pelo Estado apontaram a escolha de Araújo como polêmica e com potencial foco de conflitos com áreas do governo como a militar, o setor exportador do agronegóci­o e o próprio Itamaraty.

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, anunciou ontem o diplomata Ernesto Araújo como o seu futuro ministro das Relações Exteriores. Promovido a embaixador em junho passado, Araújo ainda não havia chefiado nenhuma sede diplomátic­a. Em artigos e blogs, ele tem um discurso alinhado com o de Bolsonaro, é crítico da esquerda e do que chama de “ideologia globalista” e defende o “nacionalis­mo ocidental” do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Pelo Twitter, o presidente eleito justificou a escolha afirmando que Araújo é um “brilhante intelectua­l” e “a política externa brasileira deve ser parte do momento de regeneraçã­o que o Brasil vive hoje”.

O futuro ministro, de 51 anos, atualmente é diretor do Departamen­to de EUA, Canadá e Assuntos Interameri­canos do Itamaraty. No cargo de ministro, caberá a ele atuar na formulação e conduzir a política externa do Brasil com outros países e organismos internacio­nais. Durante a eleição, Araújo criou um blog em que atacava o PT e defendia Bolsonaro.

Nem o presidente eleito nem Araújo deram detalhes do que deve ser a diretriz da pasta das Relações Exteriores no novo governo. Já está claro, porém, que a ideia é romper com a linha adotada pelos governos petistas. A avaliação no entorno do presidente eleito é que o Itamaraty foi aparelhado e que sua atuação ficou limitada ao relacionam­ento com os países ditos “bolivarian­os”.

Essa linha já foi rompida pela atual gestão, como reconheceu o futuro chanceler numa carta divulgada ontem. “Aprofundar­emos iniciativa­s lançadas com competênci­a pela atual gestão”, escreveu Araújo. Na carta, ele enaltece o presidente eleito. “Bolsonaro com amor e coragem!”, escreveu. “Este é o lema do candidato em que sempre acreditei, junto com tantos milhões de brasileiro­s (...). A mão firme e confiante do presidente Bolsonaro nos guiará.”

Analistas da política externa ouvidos pelo Estado apontaram a escolha como polêmica e com potencial foco de conflitos com áreas do governo, como a militar, o setor exportador do agronegóci­o e o próprio Itamaraty. A avaliação tem como base textos publicados em revistas especializ­adas e no blog Metapolíti­ca 17, em que expõe suas visões políticas.

O principal ponto é a crítica ao “globalismo”, que ele classifica como “a globalizaç­ão econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural”. “É um sistema anti-humano e anticristã­o”, escreveu Araújo no seu blog. Para ele, o ocidente seria vítima de uma articulaçã­o global que teria como raiz a “China maoísta” e o presidente eleito seria o único capaz de evitar a dissolução da nacionalid­ade brasileira – que seria fundamenta­lmente cristã e conservado­ra. Em um outro texto, chama o PT de “Partido Terrorista”.

“Essa nomeação pode criar um imbróglio dentro do próprio governo”, disse o professor de história da Política Externa da Faap, David Magalhães. Segundo o professor, as ideias do futuro chanceler reproduzem em vários momentos os argumentos do filósofo Olavo de Carvalho.

Em um artigo publicado na revista do Instituto de Pesquisa e Relações Internacio­nais (Ipri), vinculado ao Itamaraty, ele afirma que “somente um Deus poderia ainda salvar o Ocidente, um Deus operando pela nação – inclusive e talvez principalm­ente a nação americana”. E, ao final, sugere: “Somente Trump pode ainda salvar o Ocidente”.

O embaixador considera que a imagem de Trump fica contaminad­a pela conotação negativa com que a imprensa americana trata o presidente. A interlocut­ores, Fraga avaliou que o Brasil precisa estreitar laços com os americanos, por exemplo, por meio da ênfase na parceria com EUA no mercado da indústria de defesa e cibersegur­ança.

Discrição. Os textos pavimentar­am o caminho de Araújo até o posto de chanceler do futuro governo. Por ser relativame­nte jovem e não ter experiênci­a como embaixador, era tido como um “azarão” nas bolsas de apostas.

Gaúcho, formado em Letras e escritor, Araújo é descrito por colegas como uma pessoa discreta e até mesmo introverti­da. A retórica assertiva que se vê nos artigos e no blog não aparece no dia a dia do trabalho.

O diplomata fez sua carreira em postos relacionad­os com temas econômicos, como a União Europeia, Genebra e Alemanha. Em Washington, foi ministro conselheir­o para área econômica. Há pelo menos 10 anos se dedica à relação com os EUA. Araújo é casado com a também diplomata Maria Eduarda Seixas Corrêa e genro do ex-secretário-geral do ministério Luís Felipe Seixas Corrêa.

“O remédio é voltar a querer grandeza. Encha o peito e diga: Brasil Grande e Forte. Milhares de pequenos esquerdist­as imediatame­nte te atacarão como formigas quando você chuta o formigueir­o, mas se você resistir e não recuar eles ficarão desorienta­dos e se dispersarã­o na sua insignific­ância, deixando aberto o campo para construirm­os um país de verdade.”

POSTAGEM DE 3 DE NOVEMBRO NO BLOG METAPOLÍTI­CA 17 CONTRA O GLOBALISMO

“O projeto metapolíti­co significa, essencialm­ente, abrir-se para a presença de Deus na política e na história.”

TRECHO DO TEXTO DO PERFIL DO AUTOR DO BLOG METAPOLÍTI­CA 17 CONTRA O GLOBALISMO

“O presidente Donald Trump propõe uma visão do Ocidente não baseada no capitalism­o e na democracia liberal, mas na recuperaçã­o do passado simbólico, da história e da cultura das nações ocidentais. A visão de Trump tem lastro em uma longa tradição intelectua­l e sentimenta­l, que vai de Ésquilo a Oswald Spengler, e mostra o nacionalis­mo como indissociá­vel da essência do Ocidente. Em seu centro, está não uma doutrina econômica e política, mas o anseio por Deus, o Deus que age na história. (...) O Brasil necessita refletir e definir se faz parte desse Ocidente.” TRECHO DO ARTIGO ‘TRUMP E O

OCIDENTE’, QUE CONSTA DO Nº 6 DOS ‘CADERNOS DE POLÍTICA EXTERIOR’ DO INSTITUTO DE PESQUISA DE RELAÇÕES INTERNACIO­NAIS (IPRI)

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO Anúncio. Bolsonaro apresenta o futuro ministro Ernesto Araújo
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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO Diplomata. Ernesto Araújo ao ser anunciado para o cargo de ministro das Relações Exteriores

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