O Estado de S. Paulo

William Waack

- WILLIAM WAACK

É relevante saber o que os militares pensam e qual é o País que eles querem.

No começo desta semana, um grupo seleto de investidor­es reunidos em Nova York ouviu em inglês de um integrante do “núcleo duro” do futuro governo que o presidente eleito, Jair Bolsonaro, quer mesmo aplicar um choque liberal na economia brasileira. Quer privatizar 100 de 160 estatais. Leiloar bons contratos para interessad­os em investir em infraestru­tura. Reformar um sistema tributário caro. Priorizar, acima de qualquer coisa, o ajuste fiscal. E mudar o comércio exterior, no sentido de maior abertura.

Não, não era Paulo Guedes falando. Era o vice-presidente Hamilton Mourão. Combinam as ideias representa­das por Guedes com a cabeça de quem passou mais de 30 anos pela formação de escolas militares, como são todos os oficiais envolvidos de uma forma ou outra com o novo governo? Pelo jeito, parece que sim. Mourão descreveu para os investidor­es em Nova York como “um bom negócio” a fusão da Embraer com a Boeing (chamada de “entreguism­o” pelo retrógrado pensamento de esquerda no Brasil).

Na mesma ocasião, Mourão ecoou também o que o seu antigo chefe, o comandante do Exército, disse em várias entrevista­s, a mais recente delas ao correspond­ente no Brasil do Financial Times – uma das mais influentes publicaçõe­s internacio­nais e uma das poucas a não cair na narrativa de que o Brasil estaria elegendo uma nova ditadura militar. Os militares não vão se meter em política, garantiu o general Villas Bôas.

Mas em política eles estão profundame­nte mergulhado­s. Atuaram em dois momentos nevrálgico­s – a possível concessão de habeas corpos a Lula no STF e nos momentos seguintes ao atentado contra Jair Bolsonaro – para evitar o que chamam de “ameaça de caos social e político”. Temiam uma bagunça generaliza­da, e a possível rebeldia de coronéis. Vários integrante­s dos altos escalões penduraram a farda, vestiram o terno e foram para posições estratégic­as (do ponto de vista político sobretudo) no governo. Alguns oficiais generais de farda participar­am ativamente nos bastidores da campanha do presidente eleito. Embora a instituiçã­o das Forças Armadas não esteja oficialmen­te metida em política, a teia de relacionam­entos profission­ais e pessoais entre os “de fora” e os “dentro” do governo é de enorme coesão.

Relevante aqui, portanto, é saber o que eles pensam, e qual é o País que querem. A caricatura grotesca tem ocupado muitas vezes o lugar da análise, e a caricatura dos militares parados na década dos 1970 com a mentalidad­e de estatismo, autarquia e segurança nacional entendida em sentido muito estrito cedeu lugar para a convicção, entre os militares, de que soberania nacional é o resultado de economia forte e razoavelme­nte aberta, e que não há automatism­os ou subordinaç­ões claras em alianças externas, sobretudo em relação às que prometam acesso a tecnologia­s e geração de conhecimen­to.

Há mais um aspecto político do papel dos oficiais militares: muitos comandante­s viram na onda que levou Bolsonaro ao Planalto um freio no que eles chamam de “esquerdiza­ção” da sociedade brasileira. Nesse sentido, o olfato político dos militares que dizem não se meter em política parece ter sido muito melhor do que a “sabedoria” de políticos profission­ais. Eles enxergaram cedo que ordem, segurança, hierarquia e honestidad­e – valores que boa parte do eleitorado identifica com militares – ajudariam a eleger Bolsonaro.

O problema está na frase pronunciad­a em tom de brincadeir­a pelo General Heleno, um dos nomes de maior prestígio em todo o estamento militar. “Se esse troço aí (o governo Bolsonaro) der errado, a única coisa boa da minha geração foi ter visto o Pelé jogar”, disse Heleno.

Militares apostam em medidas liberais na economia para o governo Bolsonaro dar certo

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