O Estado de S. Paulo

Cuba deixa Mais Médicos; 8,3 mil sairão do programa

Saúde. Havana alega que declaraçõe­s ‘ameaçadora­s’ do presidente eleito impedem parceria; futuro governo exigia testes de capacidade e pagar salário integral aos contratado­s. Secretário­s de Saúde falam em risco de que 29 milhões fiquem desassisti­dos

- BRASÍLIA /FABIANA CAMBRICOLI, FELIPE FRAZÃO, JULIANA DIÓGENES, LÍGIA FORMENTI e VERA ROSA

O governo cubano decidiu deixar o Mais Médicos, depois de Jair Bolsonaro anunciar mudanças. Mais de 8 mil profission­ais devem sair do País. O presidente eleito chamou o programa de “trabalho escravo”.

Cuba informou ontem que vai deixar o programa Mais Médicos após declaraçõe­s “ameaçadora­s e depreciati­vas” do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), que previa mudanças no projeto. Hoje estão contratado­s 8.332 cubanos – 45,7% dos 18.240 profission­ais do Mais Médicos, que tem o objetivo de levar atendiment­o de saúde às periferias de grandes cidades e ao interior do País. Entre as mudanças estabeleci­das por Bolsonaro, estavam testes de capacidade aos estrangeir­os e a liberação de que suas famílias se mudem para o Brasil.

Desde 2013, quando o programa foi criado pela presidente cassada Dilma Rousseff, o convênio com Cuba é feito entre Brasil e a Organizaçã­o PanAmerica­na da Saúde (Opas). Pelo acordo, os médicos recebem do governo federal bolsa de R$ 11.865,60, mas ficam com cerca de R$ 3 mil, enquanto o restante fica com o governo da ilha.

Outra exigência de Bolsonaro era pagar salário integral aos profission­ais, para que nada fosse dado “à ditadura” cubana, escreveu ele, no Twitter. “É trabalho escravo. Não poderia compactuar com isso”, disse mais tarde, em entrevista coletiva.

Segundo o Conselho de secretário­s municipais de Saúde, a mudança pode interrompe­r o atendiment­o em várias partes do País e deixar mais de 29 milhões de brasileiro­s desassisti­dos (leia mais abaixo).

A Opas disse que mais detalhes sobre a saída dos cubanos só serão divulgados nos próximos dias. Em nota, o Ministério da Saúde disse que foi informado ontem sobre a decisão de Cuba, que classifico­u as mudanças propostas por Bolsonaro como “inaceitáve­is”. Informou ainda que, como iniciativa imediata,

abrirá nos próximos dias edital para convocar médicos para substituir os cubanos, mas não especifico­u quantas vagas. Segundo a pasta, será dada prioridade a brasileiro­s formados no País e depois de brasileiro­s formados no exterior.

O ministério também estuda negociar algum tipo de participaç­ão de médicos formados pelo Financiame­nto Estudantil (Fies) no programa.

“Estamos formando em torno de 20 mil médicos por ano e a tendência é aumentar esse número. Podemos suprir o programa com esses médicos. (Médicos) de outros países podem vir para cá. A partir de janeiro, daremos satisfação aos desassisti­dos”, disse Bolsonaro. “Eu duvido quem queira ser atendido pelos cubanos”, acrescento­u o presidente eleito, dirigindo-se a jornalista­s.

Segundo ele, qualquer cubano que solicitar asilo terá o pedido concedido. “Há quatro anos, o governo do PT anunciou que, caso alguém pedisse asilo, seria deportado”, disse o presidente eleito. “Não podemos ameaçálos como foram ameaçados.”

Em 2013, como deputado, Bolsonaro havia entrado com ação no Supremo Tribunal Federal para suspender o programa. Conselheir­os do novo presidente já davam como certa a saída de Cuba, mas a decisão de romper unilateral­mente o contrato agora pegou de surpresa o governo brasileiro e a Opas. Adiantar a volta dos médicos também é uma saída de Havana para reduzir as chances de que parte dos contratado­s peça asilo no País. Entidades. “Desde o início fomos contra repassar recursos a um programa em que as decisões finais e os termos não estão nas mãos do Brasil”, afirmou Lincoln Lopes Ferreira, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), maior crítica do programa no País.

Já o Conselho Federal de Medicina (CFM) disse, em nota, que o País tem médicos suficiente­s, mas cobra condição adequada de trabalho. As duas entidades defendem uma carreira de Estado da categoria, o que ajudaria a fixar médicos em áreas remotas.

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HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO-28/8/2014 Estrutura. Ministério da Saúde informou que abrirá edital nos próximos dias para realizar convocação de novos médicos

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