O Estado de S. Paulo

Tensão no 1º depoimento no processo do sítio

Ex-presidente fala por cerca de três horas à juíza Gabriela Hardt; ele diz ser vítima de ‘farsa’ e nega propina para reforma de imóvel

- / RICARDO BRANDT, JULIA AFFONSO, PAULO ROBERTO NETTO e FAUSTO MACEDO

Lula depõe à juíza Gabriela Hardt, em Curitiba. Na audiência, o ex-presidente falou em ‘farsa’ e a substituta de Sérgio Moro chegou a adverti-lo.

O primeiro interrogat­ório do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso na Operação Lava Jato, com a substituta do juiz Sérgio Moro, a juíza federal Gabriela Hardt, foi marcado por um clima de tensão. Na audiência, que durou ontem quase três horas, a magistrada chegou a advertir o petista logo no início do depoimento. Foi a primeira vez que o ex-presidente deixou a Superinten­dência da Polícia Federal desde que foi preso, em 7 de abril, após ser condenado em segunda instância no processo que envolve o triplex do Guarujá.

Nesta ação, o ex-presidente – que disse ontem que não sabia do que era acusado e alegou ser vítima de uma “farsa” – é réu no caso do sítio de Atibaia por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Segundo a acusação, o petista recebeu propina das empreiteir­as OAS e Odebrecht por meio de reformas no sítio, que está em nome do empresário Fernando Bittar, também réu na ação – ao todo são 13 acusados. As obras teriam custado cerca de R$ 1 milhão.

“O senhor sabe do que está sendo acusado?”, questionou a juíza, seguindo o rito dos interrogat­órios a que são submetidos todos os réus. “Não”, respondeu o petista, para, em seguida, dizer que estava disposto a responder a toda e qualquer pergunta. “Eu sou dono do sítio ou não?”, questionou.

“Isso é o senhor que tem que responder e não eu”, rebateu Gabriela. “E eu não estou sendo interrogad­a nesse momento.” Após ser interrompi­da por Lula, que insistia em fazer perguntas, a juíza afirmou: “Senhor ex-presidente, se começar nesse tom comigo, a gente vai ter problema.” Tanto os delatores da Odebrecht como o ex-presidente da OAS José Aldemário Pinheiro, o Léo Pinheiro, afirmaram em juízo que executaram serviços em benefício do petista. Pinheiro chegou a dizer que o sítio era de Lula, o que ex-presidente nega.

Na segunda-feira passada, Bittar havia dito a Gabriela que a ex-primeira-dama Marisa Letícia, morta em fevereiro de 2017, “ia tocar a obra” no sítio e o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula, faria a reforma. Segundo Bittar, Marisa “tinha autonomia” para coordenar as obras.

As reformas do sítio teriam sido feitas em três etapas. A primeira, sob comando de Bumlai no valor de R$ 150 mil, a segunda da Odebrecht, de R$ 700 mil

– ambas em 2010 – e uma terceira obra na cozinha, pela OAS, de R$ 170 mil – em 2014 –, em um total de R$ 1,02 milhão.

“Agora ficou fácil citar o nome da dona Marisa, porque ela morreu”, afirmou Lula. “Tenho muita dúvida se dona Marisa pediu para fazer a reforma. Tenho muita dúvida. Como ela não está aqui para se explicar, eu fico com a minha dúvida.”

Lula disse ainda que “tem a tranquilid­ade de dizer que não sabe quanto custou a reforma”. Segundo ele, só “quem pode dizer isso é quem é o dono do sítio.”

O petista também se exaltou quando foi questionad­o sobre propinas pagas no âmbito de contratos da Petrobrás e a criação de um suposto caixa do PT, que teria sido administra­do pelo ex-tesoureiro da sigla João Vaccari.

“O senhor não acredita, mas foi lhe dito nos outros depoimento­s sobre quantidade­s de valores devolvidos por diretores e gerentes

da Petrobrás relativos a propinas e os valores em contas bloqueadas de políticos no exterior”, afirmou Gabriela. Lula respondeu: “Aí é caixa deles, na verdade eles ganhavam um prêmio. Nunca foi tão fácil ser ladrão nesse País. Você rouba, aí depois faz a delação e fica com um terço do roubo ou dois terços do roubo”.

A juíza reagiu quando Lula sugeriu amizade entre Sérgio Moro e o doleiro Alberto Youssef, delator das Operações Lava Jato e Banestado. “Ele não vai fazer acusações a meu colega aqui”, disse.

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MPF Justiça. O ex-presidente Lula em depoimento em Curitiba

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