O Estado de S. Paulo

Mais Médicos sem cubanos

- (sic)

Atitude de Cuba parece destinada a causar problemas na área de saúde pública para Bolsonaro.

Ogoverno de Cuba anunciou o rompimento unilateral da cooperação do país no programa Mais Médicos. A atitude intempesti­va é consequênc­ia natural do caráter eminenteme­nte ideológico da participaç­ão de Cuba no programa desde o seu início, durante o governo da petista Dilma Rousseff. Parece destinada exclusivam­ente a causar problemas na área de saúde pública para o próximo presidente, Jair Bolsonaro – que diversas vezes se declarou adversário do regime cubano e ameaçou encerrar a participaç­ão de Cuba no Mais Médicos.

A disposição da ditadura cubana de criar contratemp­os para Bolsonaro ficou patente na nota oficial em que anunciou o fim da colaboraçã­o no Mais Médicos. No texto, depois de denunciar “o golpe de Estado legislativ­o-judicial contra a presidenta Dilma Rousseff”, Havana afirma que “o povo brasileiro (...) poderá compreende­r sobre quem cai a responsabi­lidade de que nossos médicos não possam continuar oferecendo sua ajuda solidária nesse país”.

Ou seja, sem que qualquer decisão tenha sido tomada pelo futuro governo a respeito do programa nem sobre a participaç­ão cubana – pois, afinal, o presidente eleito só tomará posse no dia 1.º de janeiro –, a ditadura de Cuba mandou retirar os cerca de 10 mil médicos cubanos hoje em atividade no País. Pode-se imaginar as dificuldad­es que a saída repentina de tantos profission­ais vai causar aos cidadãos atendidos no Mais Médicos, especialme­nte em áreas remotas do País, com previsívei­s efeitos danosos para a imagem do futuro governo – para deleite dos petistas, cuja relação fraternal com a ditadura cubana é de todos suficiente­mente conhecida.

Como se sabe, o programa Mais Médicos foi criado em 2013 pela presidente Dilma Rousseff como resposta às grandes manifestaç­ões daquele ano por melhores serviços públicos. Do modo atabalhoad­o como foi concebido, o programa não atraiu o interesse dos médicos brasileiro­s, e então o governo petista, docemente constrangi­do, recorreu aos companheir­os cubanos para obter a necessária mão de obra.

A exportação de médicos tornou-se há tempos uma das principais atividades comerciais de Cuba. Os profission­ais enviados a vários países não recebem o salário integral que lhes é devido, já que uma das imposições da ditadura cubana é que a maior parte desses vencimento­s vá para os cofres do regime. Ademais, os médicos cubanos não têm o direito de ir para onde quiserem nem podem se exprimir livremente, submetidos que estão à vigilância de agentes castristas.

Mesmo diante desse flagrante desrespeit­o a direitos que os petistas alardeiam defender, o governo de Dilma não perdia a oportunida­de de agradecer pela “solidaried­ade” de Cuba, inclusive durante sua campanha à reeleição, em 2014.

A despeito da propaganda petista, contudo, a “solidaried­ade” cubana sempre foi mera fachada para edulcorar a tirania que vigora na ilha dos Castros. Assim que os primeiros médicos cubanos conseguira­m na Justiça brasileira o direito de aqui permanecer, o regime, em represália, suspendeu o envio de centenas de profission­ais de saúde. Considerou inadmissív­el que esses médicos buscassem seus direitos – tanto trabalhist­as como humanos.

Depois do impeachmen­t de Dilma, o governo tratou de mudar o perfil do Mais Médicos, promovendo a troca paulatina dos médicos cubanos por brasileiro­s, medida que amenizava o viés ideológico que tanto marcou o programa. A súbita decisão de Cuba de retirar todos os seus médicos de uma vez mostra o tamanho da irresponsa­bilidade do governo petista quando submeteu um programa social aos humores e interesses estratégic­os de um regime ditatorial estrangeir­o.

Tudo isso serve para relembrar que o Mais Médicos – remendo emergencia­l feito por um governo em apuros – só existe e se tornou essencial porque o Estado brasileiro falhou e continua a falhar miseravelm­ente em oferecer saúde pública com um mínimo de qualidade para boa parte dos cidadãos. A manutenção dessa situação deveria envergonha­r brasileiro­s de qualquer ideologia.

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