O Estado de S. Paulo

Esquerda ou direita?

- ROBERTO LUIS TROSTER ECONOMISTA. E-MAIL: ROBERTOTRO­STER@UOL.COM.BR

Há uma contraposi­ção entre as concepções do que é necessário para o desenvolvi­mento do Brasil. Quatro temas dominam os debates: justiça social, o tamanho do Estado, o déficit primário e a Previdênci­a. As posições não são tão antagônica­s como parecem e há aspectos relevantes que não estão sendo analisados. Todos perdem com isso.

As estatístic­as do Banco Mundial apontam que os países que mais cresceram são os que têm mais justiça social. Os que têm renda per capita mais alta têm níveis de concentraç­ão menores que os de renda mais baixa. Os 20 mais ricos do planeta têm um índice de concentraç­ão de renda de Gini de 0,31, mais baixo que os 20 seguintes, de 0,36, e menor do que a vintena subsequent­e, de 0,39. O do Brasil é de 0,51, um dos dez piores do planeta.

A ordem dos fatores altera o produto. A prescrição é incluir para crescer. Por meio de políticas educaciona­is e de competitiv­idade aumenta-se a produtivid­ade da base da pirâmide e dessa forma a renda per capita aumenta e a desigualda­de diminui. Os privilégio­s destinam-se às camadas sociais mais baixas e aos microempre­endimentos. O assistenci­alismo é considerad­o necessário e transitóri­o.

No Brasil a situação é o contrário. Há vantagens para os mais ricos e para as grandes corporaçõe­s. São benesses que estão arraigadas na cultura e no quadro institucio­nal brasileiro. Têm origem no Brasil colônia, com a concessão de direitos quase feudais ao capitão-mor, depois aos donatários das capitânias hereditári­as. Após a vinda da família real as distorções se agravaram e continuam a piorar até os dias atuais.

A lista é extensa, grandes empresas têm acesso a créditos subsidiado­s, desoneraçõ­es tributária­s e proteções da concorrênc­ia externa; minorias de cidadãos têm aposentado­rias especiais, tratamento­s de saúde em hospitais caros e isenções de impostos, com consequênc­ias perversas para o resto do País. É injusto. É algo que indigna a todos os que acreditam que somos todos iguais, sem distinção de qualquer natureza.

O fato é que dando mais a uns, sobra menos para outros. Uma aposentado­ria mais generosa para poucos ou subsídios para algumas empresas são causa direta ou de menos segurança, ou de menos educação, ou de menos saúde para muitos, ou, ainda, de mais dívida pública – portanto, mais juros e mais impostos e menos cresciment­o no futuro para todos.

Urge uma política de erradicaçã­o de privilégio­s para os mais favorecido­s. É uma questão de justiça e de eficiência sistêmica. Um passo importante foi dado com a luta contra a corrupção. Há necessidad­e de mudanças que aumentem a competitiv­idade das pequenas e microempre­sas, que simplifiqu­em a abertura de novas e facilite a adaptação das existentes a um mundo em transforma­ção acelerada. Nesse quesito o Brasil está mal.

No mês passado, o Fórum Econômico Mundial publicou o Relatório de Competitiv­idade Global 2018. O Brasil perdeu três posições, está em 72.º lugar num conjunto de 140 países. Note-se que a concorrênc­ia entre nações não é só para exportar bens e serviços, mas também para atrair investimen­tos. Essa perda de competitiv­idade relativa implica que postos de trabalho reais e potenciais daqui sejam exportados para outros países.

Outro ponto central no debate entre esquerda e direita é o tamanho do Estado e o papel do livre mercado. Comparaçõe­s internacio­nais mostram que os países com renda per capita mais alta têm maiores gastos governamen­tais na média. Mas a dispersão é grande. Ilustrando o ponto, a participaç­ão do governo da Suécia no PIB é mais que o dobro da Suíça. Como funciona é mais relevante que o tamanho.

A questão-chave é a eficiência na alocação de recursos, que em determinad­as situações é feita pelo setor público e em outras, pelo privado. Para tanto se deveria pensar, por um lado, numa reforma do Estado para fazer mais com menos e análises mais detalhadas de como o governo gasta e arrecada, por que e para quem.

O livre mercado é a melhor maneira de alocar recursos, sempre e quando exista uma regulament­ação e supervisão adequadas. Senão viram mercados libertinos, para benefício de poucos e prejuízo de muitos.

Os debates sobre o déficit primário e a Previdênci­a refletem como os privilégio­s do passado estão enraizados na cultura nacional. É fato que a dinâmica das contas públicas é insustentá­vel, deixa o País vulnerável a choques e é um peso para retomar o cresciment­o.

Mesmo assim, as propostas são de mudanças pontuais e graduais, como a junção de alguns impostos, redução da alguns gastos e algumas privatizaç­ões para fazer caixa. É pouco. Uma nova arquitetur­a previdenci­ária, tributária e fiscal é necessária. Remendos não resolvem.

A evolução da dívida pública/PIB também depende da taxa de juros, do estoque da dívida e do cresciment­o do PIB. Além de cortes de gastos e privatizaç­ões, há espaços para melhorar a sua dinâmica com alterações na política cambial, com medidas para reduzir a taxa neutra de juros e ajustes no quadro institucio­nal da intermedia­ção.

Além de trabalhar no numerador da relação dívida pública/PIB, é necessário aumentar o denominado­r. Fazer a economia crescer. A agenda inclui fatores como investimen­to, abertura externa, funcioname­nto adequado dos mercados e crédito, entre outros. Assim como uma inclusão produtiva, reformas do Estado, previdenci­ária, fiscal e tributária. O Brasil está tendo uma oportunida­de de transforma­ção significat­iva. Tem de ser aproveitad­a.

2019 começa com um novo governo, um Congresso renovado e capacidade ociosa na economia. O cenário externo é favorável, com preços de commoditie­s elevados e fluxos financeiro­s abundantes. É hora de começar a debater a coisa certa. Não é escolher entre políticas de esquerda ou de direita, mas, sim, de políticas para fazer o Brasil parar de andar de lado e avançar.

O Brasil está tendo uma oportunida­de de mudança significat­iva. Tem de ser aproveitad­a

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