O Estado de S. Paulo

A palavra de ordem é foco

- E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

Muitas falas de Jair Bolsonaro ainda lembram discursos de campanha. Não focam naquilo que é mais relevante e abordam temas superados ou que não demandam ação estatal. O presidente eleito tem grande capacidade de comunicaçã­o, mas precisa dar o devido peso aos temas, conforme seu grau de importânci­a. Não basta se comunicar. É necessário definir objetivos e estratégia­s, para assim conquistar o apoio da sociedade à urgente agenda de reformas.

Um exemplo recente foi sua defesa de maior transparên­cia do BNDES. Todavia, o grau de abertura de informaçõe­s atualmente é equivalent­e ao dos bancos privados, respeitand­o a lei de sigilo bancário. Com sua fala, Bolsonaro passa para a sociedade a ideia equivocada de que nenhum ajuste foi feito no banco nos últimos anos, enquanto perde a oportunida­de de discutir seus reais desafios.

Tem havido muitos avanços no BNDES. O principal foi em 2017 com a mudança do cálculo da taxa de juros cobrada nos empréstimo­s, com a substituiç­ão da TJLP pela TLP, sendo a primeira uma decisão discricion­ária do governo e a segunda o reflexo das condições de mercado. Se houver intenção de emprestar a taxas mais baixas, será necessário obter aprovação do Congresso para o subsídio a ser concedido. Uma combinação saudável de transparên­cia, zelo com os cofres públicos e deliberaçã­o da sociedade. O temor de muitos de que a mudança faria os investimen­tos caírem não se materializ­ou. Houve importante substituiç­ão de empréstimo­s do banco por outras fontes de financiame­nto no mercado de capitais e no mercado internacio­nal, principalm­ente para empresas maiores. Segundo o Centro de Estudos do Mercado de Capitais (Cemec), 2017 foi possivelme­nte o melhor ano da história para esse mercado, tendo sido responsáve­l por 13% do financiame­nto do investimen­to, valor recorde na série iniciada em 2011.

É verdade que empresas menores, que têm dificuldad­es para acessar o mercado de capitais e os recursos externos, encolheram seu endividame­nto. Há espaço, no entanto, para cresciment­o do crédito privado, como nas cooperativ­as de crédito e fintechs.

É melhor o BNDES focar nas privatizaç­ão e em setores onde não há interesse do setor privado, mas cujo investimen­to beneficiar­ia a sociedade. É o caso da infraestru­tura de setores pouco consolidad­os, como o saneamento. O banco ainda concorre com o mercado de capitais em muitos segmentos, como no Finem, o que implica alocação equivocada de recursos.

As matérias que saíram na imprensa sugerem também a necessidad­e de ajuste no foco das propostas do próximo time econômico. Fala-se em ampliar a capacidade do banco de antecipar a devolução de recursos ao Tesouro Nacional. Essa política tem sido bem encaminhad­a, com R$ 310 bilhões da dívida com a União devolvidos antecipada­mente até o fim de 2018.

O tema é relevante à luz da regra constituci­onal que limita o espaço da União para emitir dívida pública, mas é assunto menor diante dos desafios do BNDES e, certamente, da necessidad­e de um ajuste estrutural para conter o cresciment­o das despesas do governo.

Fala-se também da tarefa de Joaquim Levy – que estará à frente da instituiçã­o – de contribuir na montagem de um plano de socorro aos Estados. Já houve em 2017 um plano de renegociaç­ão de dívida que incluiu empréstimo­s do banco e há grandes restrições para emprestar dinheiro novo. Além disso, a natureza da crise dos Estados é estrutural, associada aos gastos com a folha. Este precisa ser o foco do novo governo.

É possível que a agenda liberal de Paulo Guedes sofra desvios, dado o tamanho do desafio fiscal. O que não se pode é falhar na aprovação de uma reforma da Previdênci­a que também busque uma solução da crise dos Estados, o que demandaria rever os regimes especiais de aposentado­ria de professore­s e policiais. Não avançar nessas questões deixará a União ainda mais vulnerável à pressão dos Estados por recursos. Não faltam “pautas-bomba” no Congresso.

Estes sim são temas que o presidente eleito precisa discutir com a sociedade.

Não se pode falhar na aprovação de uma reforma da Previdênci­a

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