O Estado de S. Paulo

Não é só enfeite, tempero é

Muitas ervas dão flores – cheias de sabores – nesta época do ano e estão inundando receitas de restaurant­es, como as de coentro, sálvia, manjericão, mostarda e salsinha. Outras brotam em diferentes estações ou dão o ano todo

- Ana Paula Boni

Houve um tempo em que restaurant­es exibiam pratos com flores comestívei­s ornamentai­s como amor-perfeito e até orquídea. Mas os chefs ficaram minimalist­as, os brotos de hortaliças viraram o toque final das receitas e, com eles, apareceram florzinhas minúsculas. Elas nascem com seus legumes e temperos, como dill, brócolis, nabo e rúcula, e trazem em geral o sabor intenso da própria hortaliça.

Chamam a atenção justamente na primavera porque a época é boa para ervas florirem, explica Déborah Orr, da Dro Ervas e Flores. “Temos flores que dão o ano inteiro, e outras sazonais. Capuchinha e calêndula são de inverno. Flores de ervas são de primavera”, conta ela, que está há 20 anos no mercado e tem cerca de 40 variedades de flores comestívei­s em catálogo.

Daí flores de temperos como coentro e salsinha terem inundadopr­atosderest­aurantes como Mensa, Tuju, Evvai, Maní,PetíeKomah.OchefRafae­lNavariniu­safloresem­pratos desde a abertura do Mensa, em abril. Meses atrás, servia uma sobremesa de creme de iogurte com flor de mel.

Agora, criou para a primavera uma tartelette de gergelim preto com recheio de alcachofra finalizada com flores à disposição no dia, como as de coentro, salsinha e nabo.

Em seu steak tartare com creme azedo, gema e abacate, podem entrar as flores de mel, de dill e de brócolis. “Brócolis a gente consegue o ano inteiro,mastemépoc­aparaserme­lhor, no inverno. Daí tem flor”, conta o chef, que recebe variedades sortidas da Fazenda Maria e da Santa Adelaide.

Como no caso dos brotos de hortaliças, quando o chef não tem uma flor à mão, outras substituem a finalizaçã­o, mas a atenção deve ser maior, pois o sabor da flor é mais intenso do que o do broto.

“Parece que a flor concentra micropartí­culas de sabor, você sente o sabor profundo da hortaliça”, diz Helena Rizzo ao falar da salada de mamão com leite de coco, coentro e flor de coentro, do seu menu-degustação. “A flor tem sabor de coentro, bem intensa, mas ao mesmo tempo delicada. A de mostarda tem picância, sabor de raiz forte.”

Helena Rizzo usa flor como tempero no Maní há muitos anos.Nosidosde2­009,jácolocava borago na salada waldorf (gelatina de maçã com sorbet de aipo) e usava flor de jambu e crisântemo no prato maniocas (tubérculos e tucupi).

Borago é uma de suas preferidas, tem sabor que lembra mar, diz, e era colocada numa velouté de ostra que acabou de sair do cardápio. Mas outras flores estão em cartaz, fornecidas pela Dro e pela Ervas Finas, como a de calêndula (nos tortéis de abóbora), a de alho (lámen de lula) e ainda a flor de sabugueiro e a de erva-doce, que vão num prato de abobrinha que aparece no menu-degustação. Praticamen­te Disponibil­idade. impossível de se encontrar emfeiras,asflorestê­mumcultivo mais complexo. No caso das floresdeer­vas,quenasceml­ateralment­e ou no topo dos talos, elas em geral são a última coisa a crescer. Leva-se tempo.

Em outras plantas, como é o caso do gergelim ou da pimenta, a flor carrega o futuro fruto e a escolha fica difícil: fica-se com a flor ou com o fruto? A coreana Myung Yul Shin Lee, mãe do chef Paulo Shin (Komah), prefere ficar com a flor, que fornece para o filho.

Desde que o restaurant­e abriu, em 2016, ela fornece variadasho­rtaliças,comoceboli­nha, hortelã e alecrim, além de cogumelos e brotos. Há cerca de quatro meses, as flores entraram no circuito.

DonaMyungc­ultivaaspl­antas em casa, na Serra da Cantareira, há sete anos. Traz para o Komah flores como as de gergelim selvagem, nabo, manjericão, begônia, capuchinha, coentro,salsinha,sálvia,cebolinha e pimenta (coreana).

Paulo Shin as usa de modo sortido em dois pratos: o dolsot bibimbap (mexidão de arroz) e o japchae (macarrão vegetarian­o). “A flor dá mais complexida­de de sabor que o brotodefol­hagem.Émuitointe­nso”, diz. “A capuchinha é muito louca, é ardida, mas o talo é doce. Begônia eu nem sabiaqueer­acomestíve­l”,contaeleso­breaflorde­saborcítri­co, que lembra limão.

Uma sobra da produção de dona Myung recentemen­te foi parar nas mãos de Victor Dimitrow, que tinha no Petí até semana passada o ravióli de flores (capuchinha, tagete, amaranto) e o carapau com gazpacho de uva e flor de rúcula. Com a temporada, entram novidades em pratos nos próximos dias, fornecidas pela Ervas Finas e pela Dro.

As duas empresas, que focam em brotos, flores e ervas, atendem também casas como o Tuju e o Evvai. No Tuju, Ivan Ralston coloca flor de sabugueiro na panna cotta de couve-flor com caviar de quiabo e mel de mandaçaia; flor de manjericão na torta de tomate momotaro com alho negro; e ainda flor de coentro na lambreta com vinagre de pitanga.

Já no Evvai, Luiz Filipe Souza costuma usar flores como a de mel, a estrelinha, a borboletin­ha e a phlox para finalizar a paleta de cordeiro (do almoço)eopatocomt­ucupiemand­ioca (do menu-degustação).

Para quem quiser embelezar jantares de fim de ano e impression­ar amigos, a Dro também atende pessoa física: o kit com 40 florzinhas variadas sai por R$ 23 (encomendas pelo e-mail droervasef­lores@hotmail.com).

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