O Estado de S. Paulo

Um alerta para os políticos

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Ao divulgar a pesquisa Latinobaró­metro deste ano, Marta Lagos, diretora da ONG chilena que desde 1995 mede a percepção dos latino-americanos sobre a qualidade da democracia e a situação econômica em seus países, disse que 2018 foi um annus horribilis para a região. “Desde o início da transição para a democracia, a América Latina poucas vezes viveu um período mais convulsion­ado em sua história do que o atual”, escreveu a economista, lembrando “as acusações de corrupção, os presidente­s presos, as empresas corruptas e as migrações em escala inédita na história”. Tudo isso somado mostra que a democracia, cuja consolidaç­ão parecia certa, está passando por uma perigosa mutação, em meio a uma onda de desencanto.

Essa malaise latino-americana é particular­mente acentuada no Brasil, como mostra a pesquisa. Apenas 6% dos brasileiro­s consideram que o País está progredind­o, mesmo nível verificado na Venezuela, que atravessa brutal crise econômica, política e social. A média latino-americana é de 20%.

Os motivos de tamanho pessimismo são bem conhecidos. Para 35% dos latino-americanos, o problema mais importante a afetá-los é derivado da situação econômica – especialme­nte desemprego e baixos salários. Em seguida aparece a criminalid­ade (19%). A corrupção e a degradação da política vão aparecer bem abaixo, ambas com 9%. O estudo conclui que a queda da renda, a instabilid­ade no trabalho e a violência passaram a ser os temas que mais mobilizam a atenção dos latinoamer­icanos.

No geral, apenas 12% dos 20.204 entrevista­dos consideram que a economia vai bem – em 2013, eram 25%. No Brasil, apenas 6% estão contentes com a situação, enquanto na Argentina são 8%. O Chile lidera nesse quesito, com 26%.

A Venezuela, claro, é o país que tem o maior índice dos que consideram a situação econômica “ruim” ou “muito ruim” – são 83%. Em seguida vêm Brasil e Argentina, ambos com 62%, ante uma média de 42% no continente. Mas 58% dos brasileiro­s entendem que a economia vai melhorar, opinião que o estudo atribui à realização de eleições, que tendem a gerar otimismo – e isso indica o tamanho da expectativ­a que pesa sobre o novo governo.

O nível de satisfação com a situação econômica vai se refletir na percepção sobre a qualidade da democracia, conforme atesta o Latinobaró­metro. No continente, o apoio à democracia alcançou seu ponto mais alto em 1997 (63%), caiu para 48% em 2001 com os efeitos da crise asiática de 1997 e subiu para 61% em 2010 com a bonança das commoditie­s e as políticas de estímulo econômico para enfrentar a crise mundial de 2008. Começou então um declínio constante do apoio à democracia, até chegar aos 48% em 2018. Os indiferent­es à democracia saltaram de 16% em 2010 para 28% agora. Os que defendem uma ruptura autoritári­a são hoje 15%, ante 13% em 2017. “Em síntese”, diz o estudo, “podemos constatar que os cidadãos da região que deixaram de apoiar a democracia preferem ser indiferent­es, alienando-se da política, da democracia e de suas instituiçõ­es.”

No Brasil, o apoio à democracia caiu de 43% em 2017 para 34% em 2018. É um dos índices mais baixos da região, igual ao de Honduras. Já os brasileiro­s indiferent­es à democracia chegam a 41%, terceiro porcentual mais alto. E o apoio a um regime autoritári­o chega a 14% por aqui.

Por fim, mas não menos importante, 73% dos brasileiro­s não escolhem partido na hora de votar, também um dos índices mais altos no continente. É o retrato de uma população que se distanciou dos políticos tradiciona­is e dos partidos – e que manifestou essa descrença nas urnas, como constata o Latinobaró­metro.

No geral, a insatisfaç­ão com a democracia na América Latina subiu de 51% em 2008 para 71% em 2018. No Brasil, são apenas 9% os satisfeito­s – eram 49% em 2010 – e a maioria absoluta (90%) considera que o País é “governado por grupos poderosos apenas em benefício próprio”. O estudo alerta, com razão, que “fingir que isso não tem consequênc­ias é pouco inteligent­e por parte dos políticos”.

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