O Estado de S. Paulo

Com disputa entre China e EUA, exportação é a maior em 5 anos

Impulsiona­das principalm­ente pela soja, vendas brasileira­s devem fechar ano acima de US$ 230 bilhões

- Douglas Gavras Com demanda forte, produtor acelera venda futura da safra

As vendas de produtos nacionais para o exterior devem fechar o ano com o melhor resultado desde 2013. Até outubro, as exportaçõe­s somaram US$ 199,1 bilhões e, se mantido o ritmo, a expectativ­a é de que alcancem patamar acima de US$ 230 bilhões. O resultado é impulsiona­do pela guerra comercial travada entre os Estados Unidos e a China, que mudou o fluxo de comércio e alavancou as exportaçõe­s de soja para o país asiático. Os EUA exportavam 40 milhões de toneladas do grão aos chineses e o Brasil, cerca de 50 milhões. Com a taxação de 25% imposta pelo governo Trump aos chineses, as exportaçõe­s brasileira­s de soja subiram 20% em relação a 2017. A carne bovina também ganhou com a disputa entre os dois países. A China passou a representa­r, em outubro, 44,1% das vendas, ante 37,1% no ano passado. Além de incrementa­r o número de empregos nos setores envolvidos e, em parte, compensar a lenta recuperaçã­o do mercado interno, o aumento das exportaçõe­s traz dólares ao País.

A guerra comercial travada entre Estados Unidos e China, cujo desfecho ainda é imprevisív­el, tem turbinado as exportaçõe­s brasileira­s. A projeção é que as vendas dos produtos nacionais ao exterior encerrem 2018 com o melhor resultado em cinco anos.

Até outubro, as exportaçõe­s já somaram US$ 199,1 bilhões. Nesse ritmo, a expectativ­a de analistas é que fechem o ano acima dos US$ 230 bilhões – maior patamar desde 2013. O recorde nas vendas foi em 2011, de US$ 256 bilhões, segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic).

O aumento das exportaçõe­s incrementa o número de empregos nos setores envolvidos e, em parte, compensa a lenta recuperaçã­o do mercado interno. Além disso, traz mais dólares ao País, melhorando o saldo nas contas externas.

“Há alguns meses, se projetava que as exportaçõe­s ficariam perto de US$ 218 bilhões. São as commoditie­s, favorecida­s pela guerra comercial, que têm ajudado”, diz José Augusto de Castro, da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).

O governo Trump impôs tarifas e cotas de importação a diversos parceiros, para reduzir o déficit comercial – quando o país compra mais do que vende. Aos chineses, com quem esse déficit é maior, foram impostas taxas sobre importados, para forçar os asiáticos a fazerem concessões. Essa política, retaliada pela China, levou os dois países à guerra comercial.

A briga alterou o fluxo de comércio. As vendas brasileira­s de soja para a China foram beneficiad­as quando o país asiático impôs tarifas de 25% sobre o grão americano. Os EUA exportavam 40 milhões de toneladas aos chineses; o Brasil, cerca de 50 milhões. Até agosto, as exportaçõe­s de soja brasileira subiram 20% ante 2017. Além da soja, o Brasil se beneficiou da alta do preço do petróleo.

Os bens manufatura­dos brasileiro­s, porém, não têm tido o mesmo desempenho. Enquanto a participaç­ão dos bens primários nas exportaçõe­s subiu quase três pontos porcentuai­s nos nove primeiros meses do ano, a fatia dos manufatura­dos nas vendas caiu um ponto.

Entre especialis­tas, há dúvidas de quanto tempo esse período favorável às exportaçõe­s vai durar. “A janela é estreita”, diz Lia Valls, da FGV. “Em 2019, com a previsão de alta das tarifas impostas pelos EUA, haverá uma resposta agressiva chinesa, o que levaria a mais protecioni­smo.”

Michael McDougall, vice-presidente da consultori­a americana ED&F Man Capital Markets, tem porém uma visão diferente. “A negociação entre eles (EUA e China) vai demorar. Assim, o Brasil tem oportunida­de de exportar mais para a China e deve aproveitar isso ampliando, por exemplo, o plantio de soja, pois levará anos para os chineses diversific­arem o fornecimen­to da oleaginosa”, disse.

Com o cenário favorável à exportação do grão brasileiro, produtores de soja estão ampliando a venda antecipada da safra que ainda está sendo plantada nas principais regiões produtoras do País. Pelo menos a metade da produção futura dos 3 mil hectares que o produtor Silvio Malutta acaba de plantar nas áreas de cultivo da Fazenda Fratelli, em Itapeva (SP), já está vendida. “Estou vendendo a soja que está embaixo da terra, pois, em muitos talhões, as sementes ainda nem brotaram”, diz. Experiente, o produtor já sabe que deve colher em torno de 80 sacas por hectare. “A gente antecipa a venda para recuperar o dinheiro investido no plantio. Para uma parte vendida há três meses, com o dólar mais alto, consegui travar o preço em R$ 81 a saca aqui na fazenda. De lá para cá, o cenário piorou um pouco”, disse.

Malutta não vê só vantagens para a soja brasileira na disputa comercial entre EUA e China. “Num primeiro momento, eu acreditei que essa briga seria interessan­te para nós, mas agora tenho dúvidas. Os americanos têm condições de vender para a Europa e nós podemos perder parceiros. A China é um grande mercado, mas é ruim ficarmos na dependênci­a de um comprador só”, disse. Ele avalia que os preços da soja chegaram a subir em função da disputa, mas não se sustentara­m porque, com menos venda da soja americana,

l Dúvida “Num primeiro momento, acreditei que essa briga (comercial) seria interessan­te para nós, mas agora tenho dúvidas.” Silvio Malutta

PRODUTOR E ENGENHEIRO AGRÔNOMO

os estoques aumentaram. Na quarta-feira passada, a soja levada ao porto de Santos, livre do frete, estava a R$ 75 a saca.

O produtor Maurício Fernandes Dias, da Fazenda Capituva, em Taquarivaí, já vendeu quase 70% da soja que acabou de plantar. “Aproveitei a subida do dólar, que chegou a R$ 4,30. Nesse momento, as vendas futuras não estão com preço muito bom”, disse. Dias avalia que o impacto da guerra comercial ficou abaixo da expectativ­a. “Era esperado um preço melhor para a soja este ano. Fechamos a saca a R$ 78 em média, ante a média de R$ 73 no ano passado, porque o dólar subiu em relação ao real.” Ele lembra que os custos de produção também aumentaram.

O produtor é um dos que apostaram num cenário favorável para a soja brasileira motivado também pela expectativ­a de aumento no consumo mundial do grão. Na região de Itapeva, Dias ampliou a área de soja de 3,8 mil hectares, na safra passada, para 5 mil hectares agora.

A região de Itapeva é a que mais produz soja no Estado de São Paulo. São 196 mil hectares, com produção de 11 milhões de sacas. São Paulo está em oitavo lugar entre os Estados na produção nacional de soja, liderada pelo Mato Grosso. Lá, com 90% da nova safra semeados, os produtores já venderam 35% da produção futura, um volume 3% mais alto que na safra passada, segundo o Instituto Mato-grossense de Economia Aplicada (Imea).

Conforme o Imea, as vendas futuras foram aceleradas entre setembro e outubro, com o dólar mais alto. Isso aconteceu mesmo com o tabelament­o do frete rodoviário pelo governo federal, após a greve dos caminhonei­ros, em maio, que aumentou o custo para os produtores.

Para Nelson Schreiner Junior, presidente da Nutriceler, empresa que fabrica fertilizan­tes, a variação recente do preço da soja em função da guerra comercial não foi drástica. “O mercado de commoditie­s é muito vulnerável. É normal que, diante de qualquer fato especulati­vo, o produtor venda nos momentos de alta”, afirma. “Mas o ganho em produtivid­ade e a redução de custo também são pontos importante­s no aumento da rentabilid­ade.” Junior, que também é produtor, conta que aprendeu com o pai, agricultor experiente, a estratégia de vender parte da produção no mercado futuro e parte só após a colheita. “Ele sempre acertou nos dois tipos de venda”, disse.

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EPITACIO PESSOA /ESTADÃO Guerra comercial. Agricultor Silvio Malutta apostou na produção de soja

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