O Estado de S. Paulo

Em busca do milagre

- UGO GIORGETTI E-MAIL: UGOG@ESTADAO.COM

Estamos chegando ao fim de mais um Campeonato Brasileiro. E o que há de comum à maioria das equipes é uma sensação de inseguranç­a e instabilid­ade. Não falo de cair para a Série B, falo de realmente deixar de existir, ou pelo menos de continuar significan­do alguma coisa no futebol brasileiro.

Não há mais aqueles últimos colocados usuais, equipes modestas de centros mais ou menos modestos, que penosament­e subiam à Série A para descer invariavel­mente nos anos seguintes. Hoje há equipes grandes, futebolist­icamente falando, muito representa­tivas, de Estados proeminent­es, ameaçadas de perder um patrimônio simbólico que levaram décadas para amealhar. Há clubes cujo futuro é mais do que incerto, na medida em que multidões de torcedores passaram a significar pouco, ou mesmo nada, para enfrentar as tremendas despesas dos departamen­tos profission­ais.

O dinheiro arrecadado com ingressos é mais do nunca irrelevant­e. É preciso que o clube ascenda a outro patamar social e financeiro. Em geral os clubes em dificuldad­e trocam o treinador, e caem treinadore­s um depois do outro. Vão entender um dia, os que dirigem os clubes, que isso nada significa: o milagre que esperam com a troca de treinador não vem mais desse artifício, mas de uma troca de procedimen­to enquanto organizaçã­o empresaria­l. O clube tem que virar outra coisa. E a maioria insiste em permanecer o que sempre foi: clube de futebol. Para ser realmente poderoso é preciso precisamen­te deixar de ser só um clube.

Felizmente há um exemplo que elucida a questão. Trata-se do Palmeiras. Clube de colônia, cheio de altos e baixos na sua trajetória, em geral gloriosa, o Palmeiras amargou duas quedas para a Série B e de uma terceira queda foi salvo milagrosam­ente na última rodada. Qual é o segredo da ascensão meteórica do clube nos últimos três anos? Uma completa modificaçã­o do que sempre foi. Uma reconcilia­ção com o momento histórico atual e uma consequent­e negação completa do passado.

Tinha um estádio modesto, aprazível, igual a qualquer estádio de bairro comum na São Paulo dos anos 50 do século passado. Tinha uma torcida grande, majoritari­amente popular, e um departamen­to de finanças lutando como podia para manter a equipe. O velho e idílico estádio foi demolido impiedosam­ente e em seu lugar, numa manobra habilíssim­a, foi construída, sem custos para o clube, uma arena como só se vê no exterior. Feita para dar a impressão de que se está no exterior.

Quase não houve aumento de lugar no estádio, houve aumento de conforto, luxo, impressão de modernidad­e. Os preços ficaram para quem pode pagar e, principalm­ente, quer pagar. Para isso foi excluída toda uma torcida, que passou a ver os jogos pelos aparelhos de televisão dos bares na frente da arena, mas que até da rua acabou excluída. Em dia de jogo, para andar pela rua Turiaçu – perdão, rua Palestra Itália –, é bom ter ingresso na mão. Paixão clubística sim, contanto que pague. Afinal, “não há almoço grátis”.

O resto veio como consequênc­ia: patrocínio, shows internacio­nais, comércio de itens do clube, vários planos de pagamento de ingresso, visibilida­de na televisão, etc. O Palmeiras tinha entrado em sua época. O clube estava finalmente a par de seu tempo. É isso.

Se, pessoalmen­te, gosto disso? Detesto. Mas esses são os tempos e quem compreende isso vive bem. Os clubes agora podem errar em tudo, menos na escolha fundamenta­l: em que época querem viver. As coisas podem voltar a ser como eram? Talvez, mas para isso seria necessário não só que o futebol mudasse, mas que, antes dele, o País mudasse. Não enxergo qualquer indício de que isso esteja num horizonte visível. Portanto, senhores dirigentes, a última coisa a mudar são os treinadore­s.

Nos dias de hoje, para ser de fato poderoso, o clube precisa deixar de ser só um clube

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