O Estado de S. Paulo

Enrolado esse Brexit!

- CELSO MING

Oque havia sido festejado pela primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, como o melhor acordo para garantir uma saída ordenada da União Europeia transformo­u-se em brutal fonte de crises e de incertezas. O acordo, em princípio, está sendo considerad­o inaceitáve­l, porque elimina qualquer influência decisiva do Reino Unido sobre a União Europeia e, ao mesmo tempo, o submete às regras comerciais da União Europeia.

As negociaçõe­s do Brexit apresentar­am dois grandes problemas. O primeiro é a definição do novo status da fronteira entre Irlanda, membro da União Europeia, e Irlanda do Norte, membro do Reino Unido. Depois de décadas de luta armada e grande número de vítimas, os tratados transforma­ram as Irlandas em irmãs siamesas. Entre elas deve prevalecer a livre circulação de pessoas, bens e serviços. O segundo problema é a definição da situação em que ficariam os cidadãos do Reino Unido que vivem na União Europeia e dos cidadãos da União Europeia que vivem no Reino Unido.

Até agora, não foram obtidas soluções satisfatór­ias para nenhum desses problemas. Se a fronteira entre as duas Irlandas for fechada e nela instalados postos de migração e de alfândega, estaria criado um pandemônio entre elas. Se permanecer aberta, seria impossível concluir o divórcio entre Reino Unido e União Europeia, porque mercadoria­s, serviços e negócios fluiriam livremente pela grande brecha entre os dois blocos.

A solução proposta pela primeira-ministra foi a instalação de uma união aduaneira entre Reino Unido e União Europeia, cujos termos ainda dependeria­m de nova negociação, até 2020. Uma união aduaneira permitiria a livre circulação de mercadoria­s e serviços entre os dois lados, mas não unificaria o fluxo de pessoas e o mercado de trabalho. E, mais importante, exigiria união comercial, ou seja, exigiria vigência das mesmas tarifas de importação de mercadoria­s provenient­es de terceiros países, além de compartilh­amento dos acordos comerciais. Qualquer nova negociação comercial teria de ser realizada em comum, outro fator que manteria a dependênci­a mútua.

As demissões de ministros e secretário­s de governo, principalm­ente a do mais importante negociador do Brexit pelo Reino Unido, Dominic Raab, mais as furiosas críticas aos termos do acordo criaram novos impasses.

A Câmara dos Comuns terá agora de pronunciar-se. Se a decisão for de rejeição – e, com ela, provavelme­nte viria o fim do mandato de Theresa May –, será preciso prever os passos seguintes.

Uma hipótese seria a separação unilateral O desafio de Theresa May

que teria de desembocar no Brexit duro. Isso significar­ia reativação da fronteira entre as Irlandas, imposição de tarifas alfandegár­ias entre Reino Unido e União Europeia e definição de novas políticas para migração e para o mercado de trabalho. O resultado seria perda de competitiv­idade do setor produtivo do Reino Unido, abrupto bloqueio de negócios, êxodo de empresas, esvaziamen­to da City de Londres e de todo seu sistema financeiro, perda de empregos e muita incerteza.

Outra opção seria reabrir as negociaçõe­s. As dificuldad­es aí não seriam apenas enfrentar eventual recusa da União Europeia. Seriam definir uma saída, uma vez que ninguém apresentou proposta melhor do que o governo May, e enfrentar novas incertezas.

Terceira opção seria convocar nova consulta à população para reformar o que ficou decidido em 2016. Mas, nesse caso, o que teria de ser perguntado: se aceita os termos do acordo a que chegou o gabinete de May? Ou se desiste de uma vez do Brexit, o que equivaleri­a a manter como estão as relações com a União Europeia?

Se, depois da gritaria, dos protestos e das demissões de ministros, a conclusão for de que é melhor ficar com o acordo, além de conformar-se de que o grau de soberania desejado pelo Reino Unido não é possível, será preciso, então, enfrentar novas negociaçõe­s: as dos termos da união aduaneira.

É preciso ver que a saída proposta por May implica adiamento da solução. Nessas condições, o governo do Reino Unido estaria comprando mais prazo (a separação definitiva está prevista para 29 de março). Diante dos impasses, talvez tenha sido essa a verdadeira intenção.

De todo modo, a temporada é de mais incertezas a pairar sobre as decisões estratégic­as das empresas de um e de outro lado. Como fazer escolhas e como amarrar contratos de longo prazo se não se sabe em que terreno se estará pisando em dois ou três anos?

Essas incertezas, por sua vez, terão impacto sobre toda a economia mundial, pois não mexem com ilhotas isoladas da Antártida, digamos. Envolvem duas vigas importante­s da economia mundial.

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MATT DUNHAM/AFP-15/11/2018 Brexit.
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