O Estado de S. Paulo

Nos EUA, produtores estocam soja à espera de acordo com a China

30% de toda a produção americana do grão era destinada aos chineses; reunião de Trump com Xi no G-20 pode selar ‘paz’

- Beatriz Bulla

As fazendas da família de Lynn Rohrscheib, em Fairmoun, no Estado de Illinois, tiveram uma boa safra de soja em 2018, mas toda a produção foi parar dentro do espaço de armazenage­m da propriedad­e. “A maioria de nós está tentando estocar o máximo possível. No caso da minha operação, estamos praticamen­te com toda nossa safra de 2018 de soja estocada, esperando um aumento dos preços para vender”, afirmou. Como presidente da Associação dos Produtores de Soja de Illinois, um dos principais Estados de produção de grãos no país, Lynn afirma que há quem esteja em situação pior: “Tem sido um desafio para os que não têm tanto espaço de armazename­nto dentro da fazenda”.

Os produtores de soja americanos foram diretament­e afetados pela queda de braço entre Washington e Pequim, na guerra comercial encampada pelo presidente Donald Trump. Com esperança de uma saída política, eles estocam a soja confiantes de que o governo americano entrará em um acordo rápido com os chineses que os faça vender a produção estocada.

A China é a maior importador­a de soja do mundo, sendo a principal compradora da região de Illinois. Nos Estados Unidos, como um todo, 30% da safra era destinada ao país asiático. Neste ano, contudo, Pequim impôs uma tarifa de 25% em uma lista de produtos americanos – entre eles, a soja, fazendo o preço das sacas cair desde abril. A medida é uma reação às tarifas impostas pelo governo Trump a produtos chineses.

Trump terá um encontro com o presidente da China, Xi Jinping, na Argentina, no fim do mês, antes da cúpula do G-20. A expectativ­a de produtores americanos é de que os dois cheguem a um consenso para amenizar a situação.

Na sexta-feira, o líder dos EUA disse que o governo chinês na está disposto a fazer um acordo. No dia anterior, o secretário de Comércio americano, Wilbur Ross, havia afirmado que a ideia é discutir apenas a estrutura de um acordo, que só seria finalizado no futuro. Segundo ele, os EUA ainda planejam aumentar tarifas de importação da China e seria “impossível” chegar a um acordo final em janeiro.

“Quando começarmos a ver o preço subir, ainda que pouco, vamos começar a vender. Que-

remos o espaço de armazenage­m vazio até o verão de 2019 (junho)”, diz Lynn. O Departamen­to de Agricultur­a dos EUA anunciou em agosto assistênci­a na casa de US$ 3,6 bilhões a produtores de soja afetados pela guerra comercial, parte de um compromiss­o de US$ 12 bilhões. A intenção, segundo o governo americano, é “ganhar tempo” enquanto Trump negocia “acordos comerciais duradouros”.

Garantias. Mas a luta dos produtores é justamente contra o tempo. O maior medo, hoje, é que o mercado perdido nunca seja recuperado, com a substituiç­ão por outros países, como o Brasil. Para Tarso Veloso, analista baseado em Chicago da ARC Mercosul, consultori­a de commoditie­s com escritório­s no Brasil, ainda que os governos cheguem a um acordo não há garantia de que os EUA retomem o espaço no mercado chinês. “No longo prazo outros países passam a fomentar a produção de soja e os americanos vão perdendo esse comércio. Hoje se está estimuland­o a produção de soja no Brasil, na Argentina e o produtor americano reduz o seu plantio, porque não tem para quem vender”, afirma Veloso. Para ele, os brasileiro­s foram os maiores ganhadores dessa guerra comercial.

Lynn diz que a sua geração de produtores nunca passou por situação semelhante a essa, mas tem memória de histórias contadas por seu pai sobre “o momento com os russos” – em referência ao embargo de grãos imposto em 1980 por Jimmy Carter à União Soviética e a queda nos preços da produção.

A situação não é só um problema econômico nos EUA, mas político e social. Lynn afirma que os ajustes já começaram e a maioria dos produtores passou a mudar seu perfil de consumo e de serviços, que impulsiona­m as comunidade­s locais. “Nós todos estamos buscando maneiras de cortar nossos custos porque não estamos ganhando dinheiro. Não vamos comprar novos equipament­os, estamos tentando resolver as questões por nós mesmos, na fazenda e em casa, e pequenos negócios da comunidade rural ficam prejudicad­os”, afirmou. Reportagem do Washington Post com dados de pesquisa do Instituto Brookings aponta que quase 1,6 milhão de pessoas trabalha em indústrias expostas a efeitos da guerra comercial de tarifas com a China – sendo três quartos desse número em produção ligada a alimentos, fazenda ou pesca. Nas áreas rurais dos Estados Unidos, segundo o estudo, 1 a cada 33 empregos está exposto ao impacto das tarifas. Nas grandes cidades, o número cai para 1 em cada 200.

A expectativ­a dos produtores sobre uma solução política reside no fato de que as áreas rurais dão importante suporte ao partido republican­o – e a Trump –, mas têm sido castigadas por sua política de comércio exterior. “Aguardamos alguma resolução sobre essas tarifas ou outro tipo de uso para a soja que nos ajude nesses tempos difíceis, com aumento na mistura do biodiesel ou aumentar a produção animal. Um produtor não pode continuar produzindo sem conseguir ganhar dinheiro com sua produção”, afirma Lynn.

“Não há uma alternativ­a viável a ser implementa­da imediatame­nte. O que normalment­e acontece é uma gradual substituiç­ão de uma produção por outra, mas, neste caso, foi de repente. O que o produtor americano quer é que o governo faça acordo”, afirma o analista da ARC Mercosul.

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Estoque alto. Silos de armazenage­m de soja da fazenda da família Rohrscheib, em Fairmoun, no Estado de Illinois (EUA)
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Espera. Lynn Rohrscheib tem soja estocada nos EUA e aguarda acordo com a China

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