O Estado de S. Paulo

O bode e as reformas

- AFFONSO CELSO PASTORE

Avitória de Bolsonaro provocou uma valorizaçã­o dos ativos financeiro­s. Desaparece­u o risco de um novo governo do PT ou, no humor cínico do mercado financeiro, o resultado da eleição “tirou o bode da casa”. Porém, enquanto esteve na casa, o bode estragou o mobiliário, danificou a hidráulica e a instalação elétrica, evitando-se o caos somente porque, na tentativa de construir uma “ponte para o futuro”, um “administra­dor substituto” realizou reparos. No entanto, sabemos que para tornar a casa habitável, não basta “tirar o bode”: é preciso que o “novo administra­dor” promova reformas estruturai­s.

Com a indicação de Sérgio Moro para o Ministério da Justiça, Bolsonaro deu um forte atestado de respeito às leis, reduzindo os decibéis da narrativa da esquerda radical que o acusava de fascista. Deu também um passo para solidifica­r as instituiçõ­es que combatem a corrupção sistêmica. Porém, o sucesso do novo governo não depende apenas do respeito à Constituiç­ão e às leis, e sim de sua capacidade de recolocar o País na rota do cresciment­o econômico. Quais são as perspectiv­as?

Primeiro, a situação fiscal é insustentá­vel, com mais de 50% dos gastos primários – a Previdênci­a – fora da regra de congelamen­to dos gastos reais fixada na Constituiç­ão. Sem uma robusta reforma da Previdênci­a, o teto de gastos não se sustenta. Se fosse aprovada a proposta original de Marcelo Caetano, a economia, em 10 anos, em relação ao sistema atual, seria de R$ 850 bilhões, quase o dobro da gerada pela versão desidratad­a hoje no Congresso. As caracterís­ticas da proposta de Arminio Fraga e Paulo Tafner são muito superiores a essas duas, e levam a uma economia acima de R$1,2 trilhão. Apesar de muito superior, contudo, ainda é insuficien­te para truncar o cresciment­o da dívida, atestando a dificuldad­e da tarefa. Com o respaldo de mais de 50 milhões de votos, o governo deveria lutar por essa reforma, e não por outras politicame­nte menos custosas e defendidas por corporaçõe­s que não querem perder privilégio­s. É estranho o silêncio do governo a respeito dessa proposta, mas, se tiver coragem política, Bolsonaro poderá, com ela, começar a mudar a feição do País.

Segundo, é apavorante o que vem ocorrendo com os Estados. No governo FHC, a dívida dos Estados – uma pálida sombra da atual – foi assumida pelo governo federal, e a Lei de Responsabi­lidade Fiscal impôs limites aos gastos de pessoal. Tivemos a ilusão de que o problema fora superado, mas além de Estados reconhecid­amente falidos, como o Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, o Tesouro Nacional informa que os limites dos gastos de pessoal foram ultrapassa­dos por Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Sergipe, Acre, Paraíba, Roraima, Paraná, Bahia, Santa Catarina e Alagoas. Uma ajuda federal agradaria aos governador­es, mas sem uma punição ao descumprim­ento da LRF estaríamos apenas estimuland­o o “moral hazard”. Para evitar uma crise ainda mais grave, o atual governo terá de impor condições muito duras aos Estados.

Terceiro, são preocupant­es as manifestaç­ões favoráveis à recriação da CPMF – um imposto ineficient­e que só serve para inflar o ego de quem o defende. A resolução de nossa crise fiscal não pode ser obtida com aumento de receitas e sim com controle dos gastos. O Brasil não precisa de um imposto fácil de arrecadar, mas de uma reforma tributária que diminua as distorções que são um empecilho ao aumento da produtivid­ade. Em substituiç­ão aos impostos sobre bens e serviços – ICMS, IPI, PIS, Cofins – que geram distorções como o estímulo à guerra fiscal e a penalizaçã­o das exportaçõe­s, entre outras, precisamos de um IVA nacional, como o defendido por Bernard Appy.

Quarto, há um silêncio ensurdeced­or sobre como tratar os investimen­tos em infraestru­tura, que são fundamenta­is para o cresciment­o, e que devido à crise fiscal só poderão ocorrer pelas mãos do setor privado, através de concessões com leilões competitiv­os, eficiência e ética. A eliminação do risco regulatóri­o e a queda da taxa de juros permite o florescime­nto do mercado de capitais, que suprirá a maior parte dos recursos, cabendo ao BNDES a função de market maker, ampliando os prazos de financiame­nto, e atuando no financiame­nto de investimen­tos onde o retorno social é mais alto do que o retorno privado. ✽

EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALM­ENTE

Há um silêncio ensurdeced­or sobre os investimen­tos em infraestru­tura

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