O Estado de S. Paulo

Caminho longo

- ALBERT FISHLOW / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Bolsonaro venceu. Essa foi a parte fácil. Agora vem a necessidad­e de enfrentar todos os problemas. E o sucesso exigirá a integraraç­ão de várias opiniões que se defrontara­m na eleição. O Brasil ainda está dividido. Persiste uma resposta negativa à ampla participaç­ão dos militares e preferênci­as manifestad­as com relação a algumas opiniões não mais toleráveis. Ele inicia seu governo com um Congresso que deseja participar ativamente e onde o seu controle dos votos é modesto, no melhor dos casos, e sua rejeição da parte de outros partidos políticos é bem conhecida.

Ele mostrou sensatez na escolha para o Ministério da Justiça. Sergio Moro, que liderou as investigaç­ões da Lava Jato, concordou em assumir a pasta. Ele desfruta de um forte apoio que transcende o recebido por Bolsonaro. As suas exigências no sentido de atuar com independên­cia e ter um papel mais abrangente foram satisfeita­s. Vamos ver como isso se desenvolve na prática. Os tribunais já estão às voltas com ações impetradas envolvendo a legalidade das contribuiç­ões de campanha, Caixa 2. Honestidad­e realmente deve começar no topo.

Na área econômica está Paulo Guedes. Seu compromiss­o para com a política do laissez-faire está bem consolidad­o. E as respostas a dois problemas centrais são desconheci­das. Conseguirá ele negociar com o Congresso, como precisa, uma emenda que trate da questão da Previdênci­a? Já existem muitos planos sobre maneiras de tratar o déficit crescente no decorrer do tempo. Ir mais além, tentando capitaliza­r o sistema e transferir para administra­dores privados de recursos pode não satisfazer o mercado, ávido por um plano imediato que funcione. Conseguirá ele negociar com o Congresso para satisfazer as contínuas necessidad­es nos próximos anos do Bolsa Família, saúde, saneamento básico, em que existem contratos sociais implícitos? De novo, existem alternativ­as privadas, reduzindo os recursos públicos necessário­s, com o risco de mais desigualda­de econômica, pessoal e regional. Há necessidad­es cruciais de uma mão de obra melhor, necessária para tornar o Brasil uma força econômica global.

Algum otimismo é relevante na indicação de Joaquim Levy como dirigente do BNDES. Poucos compreende­m o mundo e o Brasil tão profundame­nte, ou possuem um currículo como o dele no serviço público. Ele assumirá uma tarefa fundamenta­l: retomar uma visão racional e de prazo mais longo para o banco, que ainda é uma importante fonte de investimen­to doméstico.

Outras nomeações são mais preocupant­es. As indicações para as pastas do Exterior, Agricultur­a e um militar na Defesa geram dúvidas. Relevante também é a escolha por Bolsonaro de um pequeno grupo de assessores, especialme­nte sua família, dos quais ele depende. É um retorno a políticas já vistas em governos anteriores quando assuntos políticos e econômicos foram resolvidos independen­temente. São necessária­s interações com mais transparên­cia, não menos.

Bolsonaro deixou claro que espera manter um relacionam­ento estreito com Trump. E o Brasil parece disposto a mudar sua embaixada para Jerusalém, como os EUA. Seu novo ministro do Exterior deixou claro seu apoio ao nacionalis­mo brasileiro, incluindo, e possivelme­nte “drenando o pântano” de Brasília.

Mas Trump experiment­a um forte declínio da popularida­de, mesmo com o desemprego com queda recorde. E sofreu uma importante derrota nas eleições de meio de mandato recentemen­te realizadas. Trump hoje tem muito menos apoio do que imaginava. Grandes grupos se reuniram nos seus comícios durante a campanha, aplaudindo sua oposição à imigração, seu desinteres­se pelos assuntos externos, e a insistênci­a em grandes acordos a serem ainda feitos com Rússia e Coreia do Norte.

Sua família é seu único refúgio e apoio pessoal. Ele está desesperad­o para pôr um fim na investigaç­ão a cargo de Robert Mueller antes que ocorram novos indiciamen­tos. Para isso, nomeou um secretário de Justiça interino. E deseja substituir outros ministros. Com o controle da Câmara pelos democratas, ele enfrenta a ameaça de suas declaraçõe­s de imposto de renda serem publicadas, ao passo que as negociaçõe­s com o exterior fracassam. Ele já vem se preparando para a campanha presidenci­al em 2020. Há sinais de uma desacelera­ção do cresciment­o econômico, enquanto Bolsonaro terá de enfrentar problemas imediatos mais difíceis no Brasil.

Há a questão fiscal que exigirá não seis meses, mas seis anos, para ser resolvida. O Brasil necessita de poupança muito maior exatamente quando os juros nos países desenvolvi­dos estão subindo, o que piora a situação. Necessita desenvolve­r tecnologia­s não tradiciona­is e deixar de subsidiar privilegia­dos históricos como os fabricante­s de automóveis. E, sobretudo, precisa rever seu sistema educaciona­l não aumentando gastos, mas competênci­as, o que dará melhores oportunida­des para um número muito maior de pessoas.

Só podemos esperar que se coloque um foco nessas questões e não em tantas outras que dificilmen­te tornarão o Brasil grande novamente.

Bolsonaro terá de enfrentar a questão fiscal, que exigirá não seis meses, mas seis anos

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