O Estado de S. Paulo

O objeto do desejo, agora compartilh­ado

Já explorado pelas grandes montadoras nos EUA e na Europa, compartilh­amento de carros cresce e vira negócio para startups no Brasil

- Cleide Silva

Dois anos depois de vender o carro para se locomover por São Paulo de bicicleta, o administra­dor de empresas Victor Brasil, de 31 anos, voltou a recorrer ao transporte motorizado. Mas agora, em vez de bancar os custos de um veículo próprio, optou pelo compartilh­amento. Três vezes por semana, para ir e voltar dos treinos de triatlo, ele aluga um carro por hora. “Às vezes, também pego o carro para ir rapidinho ao supermerca­do, já que não dá para carregar sacolas na bicicleta.”

O compartilh­amento de automóveis segue uma lógica parecida com a de aluguel de bicicletas, em que é possível pegar o veículo em um ponto e deixar em outro, com o uso de um aplicativo. No mundo, esse mercado já chamou a atenção de grandes montadoras. Mas, no Brasil, são as pequenas empresas, a maioria startups, que dominam a prestação desse serviço. Atualmente, elas operam com cerca de 8 mil veículos e têm 230 mil usuários cadastrado­s, a maioria em São Paulo.

Essas empresas dispõem de frota própria ou fazem intermedia­ção de pessoas que colocam seus automóveis à disposição de quem quer alugá-los. Toda a transação é online. Os números de usuários e frota foram fornecidos por sete das oito empresas que prestam o serviço: Moobie, Olacarro, Target, Turbi, Urbano, VAMO e Zazcar.

Nos EUA, na China e na Europa, o chamado carsharing está em expansão, inclusive com ativa presença de montadoras. A consultori­a internacio­nal Frost & Sullivan calcula que há mais de 7 milhões de usuários desse serviço globalment­e, número que deve ser triplicado em até cinco anos.

O cresciment­o do serviço vem do desejo dos usuários de usar meios alternativ­os de mobilidade e de preocupaçõ­es ambientais – os veículos compartilh­ados nos EUA e na Europa são, na maioria, elétricos e híbridos. O grande atrativo, porém, é a redução de custos com transporte – o que inclui a compra do automóvel, estacionam­ento, seguro, combustíve­l e manutenção. “Esse

é um negócio parecido ao Airbnb; o proprietár­io precisa ter desapego, o que exige mudança de hábito dos dois lados”, diz Claudia Woods, presidente da Webmotors, site de compra e venda de veículos.

“O serviço de carsharing ainda é pequeno no Brasil, mas vem sendo acelerado”, diz Tamy Lin, que fundou a Moobie no ano passado. Hoje, a empresa tem 150 mil pessoas cadastrada­s e 7 mil carros à disposição para locação, dos quais 600 estão ativos. O desempenho da empresa atraiu investidor­es-anjo que vão liberar R$ 15 milhões em 2019 para ampliação de operações. A Moobie também fará parceria com uma seguradora e testa um produto

de entrega de carros na residência do cliente.

Com operação em São Paulo e em mais de 100 cidades do interior, além de Curitiba (PR), a empresa promove o encontro entre locadores e locatários – como uma espécie de Airbnb automotivo – e fica com 20% do valor da transação. O aposentado Paulo Roberto Silva, de 73 anos, colocou seu Renault Sandero à disposição da plataforma. “É uma forma de obter uma receita extra”, diz ele, que ganha em média R$ 1

mil por mês ao alugar seu carro de uma a três vezes por semana.

Parcerias. Esse mercado atraiu empreended­ores como Diego Lira, de 33 anos. Ele deixou o trabalho no mercado financeiro há pouco mais de um ano para fundar a Turbi com um amigo. Os dois colocaram R$ 875 mil no negócio, que começou com cinco carros. Hoje são 60 modelos Hyundai HB20, Nissan Kicks e Mini Cooper. Até o fim do ano, serão 150. A Turbi obteve R$ 4 milhões para investir a partir de 2019, sendo metade de um fundo de investimen­to, e também estuda parceria com duas montadoras.

Ao se interessar­em pelo compartilh­amento de veículos, investidor­es e grandes fabricante­s estão olhando para o futuro da mobilidade. Um estudo recente da consultori­a PwC prevê que, até 2030, um em cada três quilômetro­s de tráfego no mundo serão rodados em veículos compartilh­ados. “É um conceito que veio para ficar e a tendência é de se expandir no Brasil”, diz o sócio da PwC no País, Marcelo Cioffi. Segundo ele, o principal desafio das empresas do ramo é a

tecnologia. “Não é um processo simples, pois precisa de um programa que monitora e libera veículos pelo smartphone, faz o faturament­o dos serviços, além de ter sistema de segurança para evitar fraudes e roubos.”

A primeira empresa no País a desenvolve­r sistemas para compartilh­amento de carros foi a Zazcar, criada em 2009. Ela lançou o aplicativo há apenas dois anos e tem 15 mil inscritos e uma frota de 130 carros disponívei­s para aluguel em mais de 100 estacionam­entos, onde são retirados e devolvidos. Toda a frota é de modelos Ford Ka.

Com 22 mil usuários e 400 carros disponívei­s, a Olacarro, criada em 2015, adota modelo similar ao da Moobi. A empresa tem atuação nacional, com maior foco no Sudeste. O sócio fundador,

Airbnb móvel • “Esse é um negócio (o compartilh­amento de veículos) que é parecido com o Airbnb; o proprietár­io precisa ter desapego, o que exige mudança dos dois lados.” Claudia Woods PRESIDENTE DA WEBMOTORS

Jeremy Dupont, disse que, por questões estratégic­as, colocou a plataforma à venda.

A VAMO, de Fortaleza (CE), tem 20 carros elétricos, sendo 15 minicarros da chinesa Zhidou e cinco e6 da BYD. A empresa começou a operar há dois anos pela Serttel, que atua na área da mobilidade, e tem patrocinad­ores, além de apoio da prefeitura, que cedeu áreas para estações de recarregam­ento de energia e estacionam­ento.

“São 12 estações de recarga em Fortaleza; também temos parcerias com shoppings, que liberam vagas para esses carros”, diz Angelo Leite, presidente da Serttel, que estuda ampliar a frota e as estações no próximo ano.

Com atuação em São Paulo, a Urbano, criada em 2017, tem frota com 60 minicarros Smart e cinco BMW i3 elétricos.

Lucas Bittar, da Target, diz que o serviço em Belo Horizonte, onde a empresa atua desde o ano passado, ainda é um conceito, pois o consumidor não tem o hábito do compartilh­amento. Ele defende a participaç­ão do governo nos projetos, a exemplo do que ocorre em Londres. “No centro da cidade, o carro compartilh­ado não paga pedágio e tem direito a estacionam­ento.”

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WERTHER SANTANA/ESTADÃO Escolha. O administra­dor Victor Brasil aluga carros duas a três vezes por semana e gasta R$ 30 por período, em média
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FELIPE RAU/ESTADÃO Receita. Silva aluga carro e ganha até R$ 1 mil
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