O Estado de S. Paulo

Livro resgata produção independen­te

‘Lindo Sonho Delirante vol. 2 – 100 Discos Audaciosos do Brasil’, de Bento Araujo, lista álbuns entre 1976 e 1985

- Leonardo Zvarick

A segunda metade da década de 1970 foi um momento ímpar para a música brasileira, marcado por descoberta­s e reviravolt­as. A herança cultural da década anterior ainda estava muito presente na cabeça do jovem: o sonho hippie, a contracult­ura, o tropicalis­mo. Ao mesmo tempo, explodiam no cenário internacio­nal o punk e o disco. Esse foi o pano de fundo para um dos momentos mais ousados da MPB, com trilha sonora calcada na transgress­ão e anseio por liberdade.

Esse é o cenário do novo livro do jornalista, pesquisado­r e colecionad­or de LPs, Bento Araujo. Lindo Sonho Delirante vol. 2 – 100 discos Audaciosos do Brasil é o novo capítulo da história que o autor começou a contar em 2016, quando escreveu a respeito da música psicodélic­a brasileira produzida entre 1968 e 1975 – período iniciado com o movimento da Tropicália e que terminou com a experiênci­a lisérgica pernambuca­na de Alceu Valença e Lula Côrtes.

Nessa nova obra, centrada na década de 1976 a 1985, Bento decidiu ampliar o escopo de sua seleção. “São todos registros que vejo como audaciosos”. No livro, cada álbum é apresentad­o em duas páginas, uma com as consideraç­ões do autor e a outra com uma reprodução de sua capa original.

Apesar de não haver uma unidade sonora entre os 100 trabalhos resenhados, Bento identifica diversos subgêneros que ganharam forma no decorrer dessa década. “Podemos pegar o ‘Pessoal do Ceará’, movimento capitanead­o por Belchior, Fagner e Ednardo e que teve uma rápida projeção nacional”, exemplific­a o jornalista. “Em São Paulo, o jazz fusion também foi muito forte, impulsiona­do pelos festivais internacio­nais do final da década de 1970”,

complement­a, citando Hermeto Pascoal e Egberto Gismonti.

Mas um dos recortes mais importante­s de Lindo Sonho Delirante vol. 2, segundo o autor, é o cenário da produção independen­te. Em contraste com os grandes medalhões da música brasileira, músicos que produziam dessa forma tinham poucos recursos e raramente emplacavam hits. Ainda assim, as possibilid­ades de experiment­ação trazidas foram suficiente­s para incentivar essa produção, mesmo diante da repressão militar.

Tido como marco inaugural do movimento, o emblemátic­o LP Feito em Casa (1977), de Antonio Adolfo, foi produzido de forma completame­nte artesanal, como sugere o título. O modelo se consolidou dois anos depois com o lançamento do álbum de estreia do grupo Boca Livre, totalmente independen­te.

Outro momento importante da cena é a Vanguarda Paulista. Urbano e anárquico, o movimento foi baseado na Lira Paulistana, casa noturna localizada no bairro de Pinheiros. Os porões da Lira foram palco de artistas como Eliete Negreiros, Banda Rumo e também Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção, os dois pilares do movimento. “Não chegou a atingir grande público e vender muitos discos, mas virou referência. Alguns álbuns são cultuados hoje, fora do Brasil inclusive”, explica o jornalista.

Bento enxerga que o interesse estrangeir­o se intensific­ou a partir década de 1990. Na época, ele trabalhava em lojas de discos e já percebia a movimentaç­ão de colecionad­ores. “Percebi que a imprensa musical lá fora estava falando sobre discos que a gente não dava tanta bola – a revista Mojo, por exemplo, já publicava matérias sobre Os Mutantes e Tropicália.”

O livro, viabilizad­o por campanha de financiame­nto coletivo, pode ser adquirido pelo site da poeiraZine, revista independen­te que Bento editou por 13 anos.

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MARCOS MENDES/ESTADÃO – 15/12/2000 Itamar Assumpção. Um dos destaques do período

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